TELONA

Cinema se reinventa com plataformas de streaming próprias e delivery de pipoca

Redes e distribuidoras dizem, no entanto, que crise causada pela Covid está longe do fim

(Foto: Reprodução Redes Sociais)

Era março de 2020. No calendário de estreias brasileiro, tudo estava normal. Um número robusto de filmes investia em campanhas de marketing para, muito em breve, aterrissar nas salas de cinema, enquanto aplicativos de ingressos alardeavam os blockbusters do ano.

De uma hora para outra, no entanto, os planos tiveram de ser abandonados. A pandemia de Covid-19chegava ao território brasileiro no que muitos acreditavam que seria um fenômeno passageiro, sem grandes disrupções para o setor cinematográfico.

Hoje, um ano depois, sabemos que a história não foi bem essa. O novo coronavírus desembarcou no país dizimando a população e fazendo sangrar o setor cultural. No cinema, um interminável estado de exceção se instaurou, com salas que abrem e fecham e filmes sendo adiados constantemente.

Mesmo agora, com o início da campanha de vacinação, quem trabalha no setor resguarda o otimismo. Redes e salas de cinema têm buscado alternativas para continuar próximas do público e, claro, para conseguir fechar as contas, enquanto as distribuidoras limitam seus planos de lançamento para o futuro mais próximo possível —chegando ao ponto de anunciarem estreias com só dois dias de antecedência, como foi o caso de “Os Pequenos Vestígios”.

São tempos que obrigam o parque exibidor a se reinventar, não por ambições artísticas ou empresariais, mas por uma questão de sobrevivência. Lá atrás, nos primeiros meses de pandemia, por exemplo, uma aposta que se provou bem-sucedida foram os drive-ins, cinemas para espectadores motorizados que mitigavam os riscos de sair de casa.

Cinemark e Cinépolis foram algumas das redes que investiram no formato, que esteve presente em várias cidades do país por alguns bons meses, ajudando a segurar as contas dos exibidores. Em São Paulo, até mesmo o Memorial da América Latina se converteu numa atração do tipo, em parceria com o Petra Belas Artes.

Mas o frenesi chegou ao fim e, com ele, foi preciso pensar em novas alternativas de manter resquícios da experiência de ir ao cinema vivos. Entre as empresas da área, a Cinemark, maior rede do país, provavelmente foi a que tomou as maiores liberdades criativas nessa empreitada —por seu tamanho e suas raízes estrangeiras, claro, isso foi mais fácil.

Nos últimos meses, a empresa vem anunciando novidades como podcasts e programas no YouTube. Além disso, investiu num delivery de pipoca e outros produtos de bombonnière, presente em aplicativos de entrega. E, mesmo depois da reabertura do setor cultural, que aconteceu em outubro em capitais como São Paulo, precisou usar a imaginação.

Para driblar as limitações de público e a desconfiança generalizada, a Cinemark e vários outros cinemas resolveram alugar suas salas para sessões privativas. Foi também o caso do Espaço Itaú de Cinema, que tem três unidades na capital paulista.

“Quando pudemos abrir, começamos a fazer sessões fechadas, porque aí você restringe o público a uma mesma família. São invenções que a gente faz para se manter vivo, porque não são soluções”, diz Adhemar Oliveira, dono da rede.

Em seus planos também está um serviço de filmes sob demanda que já estava sendo estudado antes da pandemia, seguindo modelo semelhante ao de redes estrangeiras como a AMC, nos Estados Unidos. No AMC Theatres On Demand, você aluga ou compra filmes diretamente do site da rede, cortesia de uma complicada negociação do parque exibidor americano com os estúdios de Hollywood.

O ambiente virtual, de fato, tem servido de refúgio para as distribuidoras, grandes ou pequenas. Para além da decisão da Disney ou da Warner de lançarem alguns de seus principais blockbusters de 2020 diretamente em seus serviços de streaming próprios, empresas brasileiras também vêm recorrendo ao formato, a fim de dar vazão a estreias que ficaram represadas e de arranjar uma nova fonte de renda.

No último mês, Jean Thomas Bernardini, à frente do Reserva Cultural, na avenida Paulista, e também do selo Imovision, lançou o Reserva Imovision, uma junção das duas marcas no ambiente virtual.

Foram desembolsados cerca de R$ 1,4 milhão para viabilizar o streaming, que também já era uma ambição antiga. Com a pandemia e o fechamento do cinema, finalmente havia funcionários à disposição para tirar a ideia do papel.

Bernardini ressalta, no entanto, que sempre separou as duas empresas e que a junção de agora é uma exceção. “Uma coisa não paga a outra e a plataforma também vai ser um negócio separado. Cada um tem que se sustentar, mas agora na pandemia acabaram acontecendo empréstimos de uma para a outra, porque é uma questão de sobrevivência, não de política”, explica.

O caso é parecido com o do Supo Mungam Plus, outro novo serviço, da distribuidora Supo Mungam Films. Diante do ócio provocado pela paralisação no lançamento de filmes, a empresa concentrou esforços na plataforma, que tem como grande objetivo levar filmes alternativos a cidades menores.

“Nós estávamos parados e queríamos continuar trabalhando. Tínhamos três filmes prontos, prestes a serem lançados, quando a pandemia chegou, então precisávamos de uma alternativa”, diz Gracie Pinto, da Supo Mungam Films.

Mas não é qualquer empresa que consegue investir num streaming próprio, ainda mais diante da crise atual. A Vitrine Filmes, por exemplo, escolheu um caminho mais modesto e lançou a campanha Alugue e Apoie, por meio da qual está disponibilizando todo o seu acervo em serviços parceiros.

Enquanto isso, o Petra Belas Artes aproveitou o fato de estar presente no mercado de streaming há alguns anos para dar mais visibilidade à sua plataforma, o Belas Artes à la Carte, com festivais de cinema virtuais.

São alternativas que não freiam os estragos da pandemia, mas ao menos fazem com que eles recaiam sobre o setor de maneira menos avassaladora. A comemoração só virá mesmo quando a maioria da população estiver vacinada, concordam os exibidores e distribuidores ouvidos pela reportagem.

“Por mais que os cinemas agora estejam abertos, tomando cuidados e apresentando poucos riscos, ainda há perigo em qualquer lugar que você vá. Há medo, desconforto”, diz Bernardini. “A verdade é que até a pandemia acabar de vez, o cinema vai sofrer.”