CNPq corta bolsas por baixo orçamento e afeta pesquisas em meio à pandemia
O orçamento destinado ao Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), principal órgão de…
O orçamento destinado ao Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), principal órgão de fomento à pesquisa no Brasil, é em 2021 o menor do século XXI. A redução histórica acontece em meio ao segundo ano de pandemia da Covid-19, com o desenvolvimento de pesquisas para monitoramento e produção de vacinas contra a doença.
O Laboratório de Radioecologia e Mudanças Globais (Laramg), por exemplo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, precisou reutilizar peças de equipamentos inutilizados e contar com colaboradores voluntários para criar o coronatrack, ferramenta portátil que armazena partículas do ar para serem analisadas em laboratório e identificar a concentração do vírus no ar.
Com ele, os pesquisadores monitoram o espalhamento do vírus da Covid-19 pelo ar em favelas como o Morro Santa Marta, Zona Sul da cidade. Agora, tentam patentear o aparelho para conseguir arrecadação para outros projetos.
— Me sinto triste porque fazemos de tudo para retribuir à sociedade o que a gente aprendeu. Mas não conseguimos fazer melhor porque não há financiamento nacional, só estrangeiro — lamenta a bióloga e doutora em Geociências Juliana Nogueira, que teve que abandonar o pós-doutorado na Uerj por falta de bolsas.
Menos verbas, menos bolsas
Para este ano, o CNPq tem R$ 1,21 bilhão de orçamento. Esse valor é quase metade do disponível em 2000, quando foram destinados R$ 2,35 bilhões, segundo levantamento do GLOBO no Sistema Integrado de Operações (Siop), do Governo Federal. Porém, a quantidade de alunos na pós-graduação duplicou no mesmo período: passou de 162 mil para 320 mil. Em 2013, ano com maior investimento do século, o valor chegou a R$ 3,13 bilhões.
Criado em 1951 e vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o CNPq atua no fomento à pesquisa em ciência, tecnologia e inovação e na formação de pesquisadores nas diversas áreas de conhecimento. O órgão publica editais para repasse de verba a projetos científicos do Brasil, além de organizar a distribuição de bolsas de pesquisa para pós-graduandos.
— Vemos um verdadeiro apagão da ciência brasileira e acreditamos que haverá uma paralisação da produção científica caso não haja uma revisão orçamentária — diz a vice-presidente da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), Stella Gontijo.
Entre 2011 e 2020, a quantidade de bolsas ofertadas pelo CNPq caiu em quase 50%, de 2.445 para 1.221. No mestrado, a redução foi de 32%, saindo de 17.328 para 11.824; no doutorado, de 20%, quando passou de 13.386 para 10.738.
Sem as bolsas, os talentos da ciência brasileira acabam saindo do país ou, no pior dos cenários, deixando as carreiras acadêmicas. Juliana Nogueira, por exemplo, preferia ter continuado no Brasil, mas acabou saindo da Uerj para a Universidade de Ciências da Vida de Praga, na República Tcheca.
O estudo dela, que investiga o impacto dos incêndios da Floresta Amazônica no derretimento das geleiras dos Andes, identifica que o degelo tem duas consequências diretas: altera o fluxo de água do Rio Amazonas e o abastecimento de água da população andina. Entretanto, o projeto é continuado “por amor” enquanto está na Europa.
— Continuo a pesquisa como voluntária depois do meu expediente em Praga para não abandonar o projeto. É de partir o coração, mas tive que sair do país porque, com 31 anos, preciso me sustentar e pagar minhas conta — lamenta.
Desse lado do Atlântico, o Laramg depende de doações de outros laboratórios e de vaquinhas de pesquisadores. Lá, a bióloga Patricia Piacsek, de 32 anos, auxilia Nogueira na pesquisa. E também no amor.
— Demorou para sair o resultado do edital e não consegui bolsa. Como me comprometi, estou auxiliando a pesquisa. Mas estou desempregada e tentando outras agências de fomento, sendo duas estrangeiras. Se conseguir, também vou sair do país — diz.
Já o carioca Cássio Pires, de 31 anos, precisou desistir do doutorado na Universidade Federal do Paraná (UFPR) em setembro do ano passado. Sem bolsa, ele não conseguiu manter a pesquisa.
— Só conseguia pensar na questão financeira e produzi nada em sete meses. Então, larguei — afirma o geólogo que saiu da academia para o mercado de trabalho, mas mantém a esperança de se estabilizar financeiramente para poder voltar à pesquisa.
Coordenador do Colégio de Pró-reitores de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação (Copropi) das universidades federais, Charles Morphy explica que este é o pior ano de liberação de verba para projetos.
— Criou-se uma ideia de que o sistema é inchado e improdutivo. Mas a produção científica brasileira aumentou muito nos últimos cinco anos, e é de excelência a despeito do pouco dinheiro. Dependemos de parcerias estrangeiras e do esforço homérico dos nossos estudantes — explica.
O coordenador do Copropi aponta que, mesmo com verba reduzida, há uma distribuição desigual dos aportes entre as regiões. Segundo ele, algumas localidades do Norte e Nordeste, que conseguiram iniciar uma expansão, correm risco de não dar continuidade:
— Com o pouco recurso, a chance deles morrerem na praia, antes mesmo de se consolidarem, é muito grande, e correm o risco de desaparecerem em pouco tempo. Para a ciência brasileira, com grande potencial mas sem recursos, vai ser uma tragédia —diz.
Defasagem
Além da falta de bolsas, a carreira de pesquisador acadêmico também atrai cada vez menos pela falta de reajuste de bolsas desde 2013. Hoje, elas pagam R$ 1.500 para mestrado e R$ 2.200 para doutorado.
Entretanto, o valor está bem aquém do que deveria ser pago, segundo levantamento da ANPG de 2020. A associação aponta que há desvalorização das bolsas de mestrado em 170% e de doutorado em 306%. Com as correções monetárias e inflacionárias, elas deveriam ser de R$ 3.555,35 e R$ 5.437,61, respectivamente.
Segundo Gontijo, o corte e o congelamento das bolsas afasta alunos de camadas populares das pós-graduações que, em geral, não possuem redes de proteção para que eles se mantenham nas pesquisas sem que recebam por isso.
— Vemos uma pós-graduação voltando a ser cada vez mais elitista e majoritariamente branca — diz.
O GLOBO procurou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e o CNPq, mas não recebeu posicionamento.