Coach da ‘mente milionária’ não paga dívidas e tem bens bloqueados
Empresário José Roberto Marques, que tem milhões de seguidores nas redes sociais, enfrenta série de processos na Justiça
O empresário José Roberto Marques ficou conhecido por dar palestras e treinamentos para quem deseja realizar o sonho de ficar rico. Em cursos e livros, se propõe a ensinar o que chama de “segredos da mente milionária” e os “ciclos da prosperidade”. Os ensinamentos, entretanto, não impediram o empresário de acumular dívidas milionárias e ter seus bens bloqueados pela Justiça por não pagar nem mesmo o aluguel de seu instituto. Marques responde ainda a uma acusação de plágio. Procurado pela reportagem, ele não se manifestou sobre os casos.
O coach da “mente milionária” tem 1,3 milhão de seguidores no Instagram, quase 500 mil no Facebook, e chegou a ser conselheiro de um reality show exibido na TV em 2019.
Em maio, o IBC Coaching, centro de cursos presidido por Marques, pediu judicialmente a redução de 50% do aluguel do imóvel de 3 mil metros quadrados que ocupa no bairro Jardim Anhanguera, na zona sul de São Paulo.
Na ação, que teve o pedido negado pela Justiça, o IBC afirma que a pandemia do coronavírus e o distanciamento social reduziram drasticamente suas receitas devido à “vedação de realização de sua principal fonte de renda, os cursos e treinamentos presenciais, com a crescente inadimplência e cancelamento de contratos por parte de seus alunos”.
Sem apresentar demonstrações contábeis, a empresa afirmava que não conseguiria arcar com o aluguel de R$ 161 mil do imóvel e informa que já em abril só havia conseguido pagar R$ 80 mil.
A proprietária do imóvel, Paiva Empreendimentos Imobiliários, cobra nesse mesmo processo aluguéis atrasados que ultrapassam R$ 1 milhão, afirma que a inadimplência do IBC vem de antes da pandemia e que o valor correto do aluguel é R$ 191 mil.
Justiça gratuita
Desde o pedido de Marques, o Judiciário recebeu ao menos quatro ações judiciais em que o IBC, o empresário e a Paiva Empreendimentos Imobiliários (proprietária do imóvel) discutem os valores das dívidas, que podem superar R$ 2 milhões se forem considerados juros, multas e os honorários dos advogados.
Em ao menos dois processos, o IBC pediu acesso à Justiça gratuita, sob a alegação de que não teria recursos para arcar com os custos processuais. A Justiça negou as duas solicitações.
Na primeira ação sobre o aluguel, a empresa dona do imóvel cita uma série de posts de Marques, em redes sociais, em que o palestrante diz que, mesmo com a pandemia, manteve boa parte de seu faturamento.
“Transformei nosso principal produto, que é o PSC [o curso Professional & Self Coaching], que tem 1700 formações presenciais (…) em online, porque vou gravando todas as semanas. Pudemos fazer entre 60% e 70% do faturamento com essa ideia porque, se não, teríamos chegado em 0”, afirma Marques em uma live do Instagram anexada ao processo.
Em outro vídeo que consta nos autos, o palestrante aparece comemorando a venda de 110 mil edições do curso “Criador Consciente de Riqueza” em uma semana. Segundo os advogados da Paiva Empreendimentos, cada treinamento teria sido vendido por R$ 2.396. Hoje, o mesmo treinamento é vendido por R$ 1.497 à vista.
Os representantes legais do IBC dizem na ação que a Paiva havia deixado de fazer uma série de reparos no imóvel que haviam sido previamente acertados de maneira verbal com o sócio majoritário da empresa proprietária do imóvel, o que a imobiliária rechaça.
Queda no faturamento
Ao negar o pedido de desconto do aluguel, a juíza Fabiana Recasens, da 1ª Vara Cível de São Paulo, diz que Marques “informa que enriquecer é possível e que realizou negócios milionários, o que afronta” os argumentos de que a empresa estaria em dificuldades.
“Não há nos autos documentos contábeis a demonstrar que houve abrupta queda no faturamento da empresa”, diz a sentença, de 15 de junho.
A magistrada afirma ainda que o IBC já tinha débitos de aluguel anteriores à pandemia. O valor atrasado no início do ano já superava R$ 600 mil.
Em outro processo sobre a mesma questão, a empresa dona do imóvel conseguiu em agosto decisão judicial que bloqueou R$ 1,026 milhão em bens do IBC, do próprio Marques e de outras 10 pessoas jurídicas ligadas ao empresário para quitar dívidas com o aluguel.
“Há elementos para demonstrar que as empresas transferem recursos entre si, obstando atos de constrição patrimonial, o que inviabiliza o prosseguimento de execuções contra qualquer delas”, afirma a juíza Recasens na sentença que pede o bloqueio dos ativos.
Sem capital de giro
José Roberto Marques recorreu da decisão ainda em agosto. Afirmou que “o capital de giro necessário ao operacional e à sobrevida” de seus negócios havia sido atingido pela medida”.
O empresário cita que foram retirados R$ 666 mil de suas contas pessoais e que o montante “se tratava de provisão para o pagamento do cartão de crédito” que pagaria anúncios de seus cursos em plataformas digitais como Google e Facebook.
O empresário disse ainda que, sem o montante bloqueado, não poderia pagar a folha de pagamento e a contribuição previdenciária de seus funcionários.
A juíza, porém, negou o desbloqueio dos bens e afirmou que Marques e suas empresas não demonstraram que a quantia se destinava integralmente a fins de preservação de suas atividades.
No processo mais recente, movido desde 31 de agosto, o IBC pede a rescisão do contrato de aluguel e pede que a Justiça condene a Paiva Empreendimentos a pagar uma indenização à empresa de coaching por descumprimento de compromissos que teriam sido assumidos pela proprietária do imóvel de maneira verbal ou por e-mail. O pedido aguarda julgamento.
Procurada, a Paiva Empreendimentos Imobiliários afirmou, por meio de seus advogados, que só se manifesta nos autos. O IBC e Marques não retornaram os contatos da reportagem.
Acusação de plágio
As dívidas de aluguel não são os únicos problemas que José Roberto Marques enfrenta na Justiça. Desde junho de 2019, o IBC é processado pelo psicanalista italiano Roberto Girola, que acusa a instituição de ter plagiado um de seus livros.
O IBC pediu segredo de Justiça do processo, o que foi negado.
Trata-se da suposta reprodução sem os créditos de um capítulo do livro ‘A Psicanálise Cura?’, de Girola, em uma apostila do PSC, principal curso desenvolvido por Marques. Na ação, os advogados de Girola afirmam que o material em questão havia sido distribuído a alunos em treinamentos presenciais de 2014 até pelo menos 2016.
Pelos documentos anexados aos autos pela defesa de Girola, a apostila não teria seguido as normas acadêmicas para fazer citações. O material ainda precisa passar por uma perícia judicial.
— Pleiteamos uma indenização por danos morais, outra por danos materiais e mais a divulgação em jornal de grande circulação feita pelo IBC que diga que aquele material pertence ao Roberto Girola — diz a advogada Paula Gomes, que representa o psicanalista.