Economia

Com alta dos preços do bilhete aéreo, passageiros migram do avião para o ônibus

Semana passada, quando um acidente parou o Aeroporto de Congonhas, passageiros trocaram o avião pelo…

Semana passada, quando um acidente parou o Aeroporto de Congonhas, passageiros trocaram o avião pelo ônibus. O movimento, porém, não é pontual. As viagens rodoviárias avançam com fôlego este ano. De janeiro a julho, o movimento de passageiros em ônibus interestaduais e internacionais no país subiu 60% frente a igual período de 2021, para 21,57 milhões. E já beira 90% do total dos sete primeiros meses de 2019, antes da Covid, segundo dados recentes da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati). As linhas de maior alta — Rio-São Paulo, São Paulo-Belo Horizonte, Rio-Belo Horizonte, São Paulo-Brasília e Rio-Brasília — estão concentradas entre grandes capitais.

O movimento indica fortalecimento das viagens corporativas rodoviárias. A troca do avião pelo ônibus se deve ao aperto no bolso e ao aumento do preço das passagens aéreas. Só em agosto, as viagens rodoviárias a negócios movimentaram R$ 2,4 milhões, 146% acima do mesmo mês de 2019, de acordo com a Abracorp, que reúne as agências de viagens desse setor. É uma marca histórica, diz o presidente da entidade, Gervasio Tanabe.

— Na crise, o foco é preço. Se o bilhete aéreo está caro para voar mais em cima da hora, o passageiro migra para o ônibus. O rodoviário tem bons níveis de segurança e preço, que caíram ainda mais com os aplicativos. Vale a pena para trechos de curta e média distância, de até 500 quilômetros — diz Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes.

Novos serviços

Oito em cada dez pessoas ouvidas pela Abrati, em pesquisa feita em setembro em redes sociais, disseram ter trocado o avião pelo ônibus ao menos uma vez em 12 meses. Para 42%, a principal razão foi o preço do bilhete.

O paulistano André Souza, de 36 anos, mudou-se para o Rio em abril para cursar Estatística. Como trabalha em São Paulo, tem de viajar com frequência. Antes de mudar, verificou a enorme diferença de preço entre o avião e o ônibus.

— A ideia era fazer o trajeto de avião, mas pelo preço vi que era inviável. A diferença era de quase R$ 1 mil — diz Souza, que faz a viagem ao menos uma vez por mês.

Ele leva em torno de seis horas para chegar à cidade paulistana, de ônibus leito. Opta pelo horário da noite e dorme.

— Eu me adaptei tanto a essa rotina que nem procuro mais passagem de avião — diz.

Essa migração para o ônibus impulsiona novos serviços. Cresceu a oferta de serviços leito e cama, que pode incluir monitores de TV individuais e até poltrona massageadora. Programas de fidelidade, salas VIP em rodoviárias, Wi-Fi gratuito e linhas diretas para encurtar a viagem são outras facilidades.

O Clickbus, de vendas on-line de passagens rodoviárias, comercializou 84% mais bilhetes de janeiro a setembro que em igual período de 2021, batendo em 13% esses meses de 2019. No primeiro semestre, as vendas de passagem em ônibus leito mais que dobraram ante janeiro a junho pré-Covid. Na rota Rio-São Paulo, líder em buscas, a demanda saltou 50% em 12 meses.

A Rodoviária do Rio, de janeiro a setembro, bateu em 74% o movimento desses meses de 2021. E já alcança 87,5% do total registrado no mesmo período de 2019.

— Estamos otimistas porque a movimentação geral das rodoviárias administradas (Rio, Niterói e Angra dos Reis), após o mês de abril, está em uma média de 90% do que foi em 2019. Setembro foi o mês de maior recuperação, comparado a 2019, com alta de 105% em função do Rock in Rio — diz Roberta Faria, diretora-geral da Rodoviária do Rio.

Do terminal carioca, as linhas de maior expansão são aquelas para São Paulo, Belo Horizonte, Macaé e cidades da Região dos Lagos. Roberta cita mudanças na rodoviária:

— Mais salas VIP foram inauguradas para atender ao público mais exigente, como executivos. Também aumentamos os pontos de tomada para carregar dispositivos móveis e ampliamos nosso Wi-Fi gratuito até as plataformas, lembrando que em alguns veículos as empresas disponibilizam conexão.

A Buser, espécie de Uber rodoviário, que vende passagens em fretamento e via marketplace, triplicou o número de passageiros em 2021. A previsão para este ano é dobrar o movimento. Na linha Rio-São Paulo, são 70 horários por dia, com preços a partir de R$ 39,90 em ônibus executivo.

— A rota tem neste mês o movimento de dezembro, de alta temporada. Temos leito-cama a partir de R$ 159,90 — diz Marcelo Vasconcellos, cofundador da Buser. — Oferecemos passagens até 50% mais baratas que a média de mercado. E 20% dos nossos passageiros não viajariam de outra forma, pelo preço.

O canal de vendas da Buser para agências de viagens, incluindo o segmento corporativo, tem 60 parceiras. Este mês, a empresa prevê triplicar a receita mensal desse serviço, cujo tíquete médio é 22% maior.

Carlos Gandra, de 39 anos e morador do Rio, é ator e dono de uma empresa de manutenção de carros em São Paulo, fazendo viagens constantes. Ele conta que quase não usa avião por causa dos preços, dando prioridade ao ônibus:

— O que ganho como ator numa gravação não paga o bilhete aéreo. Com viagens marcadas em cima da hora, não vale a pena em razão dos preços. Recentemente, precisei ir gravar em Belo Horizonte de um dia para o outro, e a passagem estava quase R$ 2 mil.

Gandra faz a rota Rio-São Paulo com frequência e não vê desvantagem no ônibus:

— É muito mais barato e não prejudica minha rotina. Vou à noite, dormindo.

Viagem mais curta

Os grupos rodoviários estão atentos. O JCA, de viações como 1001 e Cometa, transportou 70% mais passageiros de janeiro a setembro ante igual período de 2021. As linhas de maior crescimento são as de característica de viagem corporativa: rotas de São Paulo para o Rio, Sorocaba e Campinas, além das que ligam o Rio à Região dos Lagos. Com sete dias de antecedência, o bilhete pode ter até 40% de desconto. No trecho Rio-São Paulo, sai a partir de R$ 89,90 em ônibus executivo, R$ 99,90 no semileito e R$ 255,90 em camas.

Entre os novos serviços está o Vai Direto, por exemplo nos trechos da 1001 de Rio-São Paulo e Campos dos Goytacazes-Rio. Por excluir a parada do trajeto, encurta a viagem em até uma hora. As salas VIP integram o Clube Giro, o programa de fidelidade do JCA.

Na Util, do Grupo Guanabara, o movimento de passageiros vindos de agências de viagens corporativas subiu 12%, direcionado sobretudo a ônibus leito ou cabine cama. A compra antecipada garante descontos de até 50%. No terceiro trimestre, o volume de passageiros subiu 20% sobre julho a setembro de 2019.

Os trechos de maior expansão ligam o Rio a Belo Horizonte, Brasília e Campinas. A passagem entre o Rio e a capital mineira custa a partir de R$ 82 em ônibus executivo, R$ 120 em leito e R$ 140 no cama.