Com aniversário na UTI, enfermeira idosa superou Covid-19 após 3 internações
A gerente de enfermagem Rita Katayama, 62, lidera uma equipe de mais de 700 funcionários…
A gerente de enfermagem Rita Katayama, 62, lidera uma equipe de mais de 700 funcionários na linha de frente do combate ao novo coronavírus em um hospital privado em São Caetano, na Grande São Paulo. Há quase 40 anos na profissão, ela não cogitou, nem por um minuto, se afastar do hospital mesmo sendo parte do grupo de risco —à idade, soma-se o fato de ser hipertensa e ter colesterol alto.
“Senti um chamado, eu não poderia abandonar o barco. [O vírus] Estava deixando a equipe assustada. Às vezes os pacientes estão conversando e, de repente, têm um desconforto e de repente são entubados. Como líder eu quis ficar, cada vez que eu passava pelos andares eu falava: ‘Essa é nossa profissão, somos os soldados nesta guerra'”, diz.
Todo cuidado nesta batalha, porém, pode não ser o suficiente: dona Rita virou paciente de sua própria equipe quando contraiu o novo coronavírus. Com alta e em casa desde o último dia 27, ela ainda sente os resquícios da Covid-19 —a entrevista, feita por telefone, teve de ser adiada algumas horas pois a enfermeira acordou com baixa saturação de oxigênio e taquicárdica.
Quando sentiu uma dor súbita em seu corpo, no começo do mês, a ideia de que estaria infectada não passou pela sua cabeça. “Falei para o meu diretor que eu finalmente iria fazer home office porque não me sentia bem e ele falou para eu ir ao hospital fazer teste. Aí que minha ficha caiu”, lembra.
Com pulmão direito acometido, ela foi diretamente para a Unidade de Terapia Intensiva e iniciou um período de idas e vindas ao hospital que duraria cerca de três semanas, com direito a ter de passar seu aniversário internada.
Após seis dias, ela recebeu alta apenas para voltar dois dias depois. Dona Rita estava em casa quando começou a sentir uma intensa falta de ar, ”como se estivesse me afogando”, e quando olhou para o espelho viu que seus lábios estavam arroxeados, assim como a ponta de seus dedos e pés. Ela, que foi levada às pressas pelo seu marido de volta ao hospital, conta que não achou que fosse chegar viva.
Novamente na UTI, dona Rita lembra da solidão, mas também do carinho recebido, o que ela diz ter feito toda a diferença. “Eu estava na minha casa, entre as pessoas que eu mesma contratei e que gostavam de mim”, diz.
Afeto que ficou evidente na surpresa que ganhou de seus funcionários: recebeu balões coloridos, cartazes e um vídeo dos profissionais cantando “Ressuscita-me”, da cantora e pastora evangélica Aline Barros.
Devido ao alto risco de contágio, toda a equipe de saúde toma medidas de segurança que incluem o uso de máscaras o tempo inteiro. Os rostos ficam cobertos, quase identificáveis. “Eu reconhecia [os profissionais] pela voz, mas pensava nos outros pacientes e reforçava com a equipe a importância do cuidado emocional”, diz.
“Eu mentalizava Deus entrando no meu quarto…”, diz. Após uma pausa, continua com a voz emocionada: “Eu só pensava que não podia morrer, tenho pais idosos, oito irmãos, lembrava dos meus filhos e do meu marido. Eu tinha que sair dali”.
Após mais sete dias, dona Rita voltou para casa, mas aquela ainda não seria a sua última passagem pelo hospital. Três dias depois, ela começou a sentir dor intensa no abdômen e foi internada com diagnóstico de uma hepatite trans bacteriana. O tempo, desta vez, foi menor. Ela foi liberada após três noites e saiu sob aplausos de seus colegas.
Quando questionada se ela não se arrependia de não ter seguido as recomendações de se afastar do hospital, dona Rita não parece ter mudado de opinião. “Esta é a profissão que eu amo e me sinto realizada”, diz.
Com quase quatro décadas de experiência, ela é enfática ao dizer que a Covid-19 não é uma doença qualquer e reforça a importância de tomar todos os cuidados possíveis de precaução. “Não dá para pagar para ver porque pode custar uma vida.”
“Ela mata e põe os profissionais mais experientes em pânico”, continua. A gerente de enfermagem, que já pegou malária durante um trabalho voluntário na Costa do Marfim, conta que a doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti não causou nem metade do medo que ela passou com a Covid-19. “As duas vezes em que voltei ao hospital achei que não voltaria para casa.”
Dona Rita vê o que faz como uma missão e, embora ainda esteja um pouco debilitada, já pensa em maneiras de voltar o mais rápido possível para comandar sua equipe.