PANDEMIA

Com lojas fechadas, empresários vão à Justiça contra reajuste no aluguel

Aumento pelo IGP-M é legal e administradoras tentam ajustar contratos, afirmam associações

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Com o agravamento da pandemia e a aceleração da inflação, lojistas e administradoras de shoppings e aeroportos estão enfrentando um impasse nas negociações para reajuste de aluguel.

Proprietários de muitos espaços que abriram mão da cobrança integral do pagamento no ano passado, por causa do impacto da crise provocada pela Covid-19 nos negócios de seus locatários, agora buscam não só o valor completo, como pedem correção pela inflação do período.

Muitos lojistas têm procurado a Justiça para barrar esse aumento diante do cenário de retração das receitas com a nova rodada de medidas de isolamento social e restrição de circulação determinadas por estados e prefeituras para conter o avanço do vírus em 2021.

O problema é agravado pelo índice geralmente utilizado nos contratos de locação, o IGP-M, calculado pela FGV (Fundação Getulio Vargas). O indicador, que acompanha a alta de preços no atacado, subiu 31,1% no acumulado dos 12 meses encerrados em março.

Os shoppings defendem o reajuste acordado em contrato e afirmam que as administradoras tentam renegociar termos de acordo com o relacionamento que têm com cada lojista.

O empresário Jonas Bechelli, presidente da Doctor Feet, conta que tenta negociar o reajuste com vários shoppings, mas que a maioria quer cobrar o aluguel inteiro, inclusive nos locais em que os centros de compras estão proibidos de abrir para o público.

Bechelli afirma, no melhor momento da recuperação, chegaram a alcançar cerca de 70% do que faturavam antes da pandemia. No entanto, o cenário agora é outro, e estão com apenas metade das receitas conseguidas em tempos normais, valor insuficiente para pagar as contas.

“Esperávamos decisões mais favoráveis [nas negociações de aluguel], mas não vieram, e agora precisaremos ir para a Justiça. Não temos opção porque, se não formos, nós fechamos o nosso negócio”, afirmou.

A MOB é outra empresa que busca uma solução judicial para o impasse. Segundo Ângelo Campos, diretor da MOB, a companhia deve fechar março com 20% do faturamento visto em igual mês de 2019. A empresa, afirma ele, já entrou com ações contra alguns shoppings e vem tendo resultados parciais nas demandas. Conseguiu algumas vitórias, mas também sofreu derrotas.

“O problema é que na hora que você judicializa, as negociações acabam emperrando com os shoppings, que só querem negociar quando você tirar a ação”, afirma.

De acordo com Daniel Cerveira, sócio da Cerveira Advogados e consultor jurídico do Sindilojas-SP (Sindicato dos Lojistas do Comércio de São Paulo), o volume de empresários que decidiu ir à Justiça começou a aumentar em novembro e tende a crescer com o avanço do IGP-M.

Em janeiro, uma loja do Shopping Morumbi, em São Paulo, obteve o direito do reajuste do contrato de aluguel de acordo com a variação do IPC (Índice de Preços ao Consumidor). A decisão foi revertida posteriormente, mas o advogado José Nantala Bádue Freire, da Peixoto & Cury Advogados, conta que seu cliente, o lojista, conseguiu negociar com o shopping.

Ele diz que vários clientes seus tentam renegociar os contratos de aluguel. Para os que vão à Justiça, diz perceber que os juízes se pautam bastante pela situação financeira da empresa.

“É um efeito em cascata. Um acréscimo de 30% no custo fixo de uma empresa pode piorar a situação financeira dela em um cenário já difícil. Se essa companhia fechar, isso também impacta o shopping, que ficará com mais um espaço vago. Por isso, também temos visto mais negociações dando certo”.

Na Gregory, a orientação geral é de negociação entre shoppings e franqueados, segundo a diretora-geral, Andrea Duca. Porém, são raros os casos que conseguem alguma isenção ou redução de preços.

“Com o fechamento de diversas lojas por conta do agravamento da pandemia, conversamos para ao menos tentar um aluguel proporcional aos dias em que ficaremos abertos. Mas está muito difícil”, diz.

No caso do setor de franchising, a maioria das franqueadoras têm contratos estruturados com administradoras de shoppings e tentam negociar em linhas gerais em nome da rede, afirma o o diretor jurídico da ABF (Associação Brasileira de Franchising), Sidnei Amendoeira.

O meio termo que as partes têm encontrado é negociar ajustes entre 8% e 9% –trazendo valores mais próximos do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que nos 12 meses encerrados em março foi de 6,1%, bem menor que do IGP-M.

Cerveira, consultor do Sindilojas-SP, lembra que, além do aluguel, lojistas têm que pagar taxas de condomínio, fundo de promoção, água, luz, entre outras despesas fixas. “Para muitos, ou negocia e tenta chegar a um acordo ou fecha a loja. Já existem até algumas ações coletivas contra shoppings e aeroportos mais inflexíveis”, afirma.

Para Tito Bessa Júnior, da TNG e presidente da Ablos (Associação Brasileira de Lojistas Satélites), a preocupação engloba principalmente os donos de pequenos negócios que, mesmo com o desconto no ajuste do aluguel, ainda não conseguem enfrentar o total de custos da pandemia.

“Essas negociações mais próximas ao IPCA já são um passo, mas ainda assim tem sido difícil. A situação piora quando chega na judicialização, que às vezes demora para ter resultado e o lojista não aguenta. Uma alternativa que muitos começam a considerar é ir para a rua, já que tornar sua operação deficitária e insustentável não é uma opção”.

Os executivos de Doctor Feet, MOB e Gregory estão entre os que não descartam a possibilidade de migrar as lojas para espaços na rua.

“O shopping, infelizmente, vai se tornar inviável em um primeiro momento. Já estamos prospectando diversos pontos [de rua]”, diz Bechelli, da Doctor Feet.

A MOB já deixou shoppings para abrir lojas em ruas de Porto Alegre (RS), Campinas (SP) e na Vila Leopoldina, bairro da zona oeste de São Paulo. “Acaba sendo mais vantajoso porque conseguimos negociar com o dono do imóvel, que é muito mais sensível à realidade do que um grupo grande de shopping que precisa mostrar resultado para o investidor”, afirma Campos, da MOB.

A disputa entre lojistas e administradoras teve início em junho de 2020, quando os shoppings retomaram as atividades e, gradativamente, foram suspendendo os benefícios concedidos na primeira fase da quarentena. Entre março e junho do ano passado, aluguéis ficaram suspensos e encargos foram reduzidos entre 40% e 60%.

No último trimestre do ano, algumas das administradoras já voltaram a cobrar o aluguel de maneira integral.

Diante do avanço da inflação dos aluguéis, uma nova regulamentação para o reajuste desses contratos, de autoria do deputado Vinícius Carvalho (Republicanos-SP), tramita com prioridade na Câmara dos Deputados, após um requerimento de urgência ter sido aprovado na semana passada.

O texto determina que o reajuste dos contratos –tanto de aluguel residencial quanto o comercial– não poderá ser superior à inflação oficial do país, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que nos 12 meses encerrados em março foi de 6,1%.

Hoje a Lei do Inquilinato determina que o indexador seja definido entre as partes, e o mais comum é adotar o IGP-M. Esse índice, porém, tem grande peso de commodities negociadas em dólar, como a soja, e analistas afirmam que se descolou do mercado imobiliário. A própria FGV tem procurado parceiros para criar um novo índice como referência aos reajustes nos contratos de aluguel.

IGP-M É LEGAL E ADMINISTRADORAS TENTAM AJUSTAR CONTRATOS, DIZEM ASSOCIAÇÕES

​Para o presidente da Alshop (Associação Brasileira de Lojistas de Shopping), Nabil Sahyoun, as negociações de contratos de aluguel têm sido feitas com base no histórico de pagamento dos empresários e há um esforço por parte das administradoras em ajustar os contratos conforme a realidade pandêmica.

“Administrar é ter bom senso. Os shoppings já consolidados analisam e também ficam preocupados com a crescente vacância do setor, mas cada caso é um caso. Se o lojista está muito atrasado no pagamento de seus compromissos, a negociação é uma. Se ele paga em dia, a negociação é outra”, afirma.

Levantamento da Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers) aponta que o setor registrou faturamento anual de R$ 128,8 bilhões em 2020, queda de 33,2% em relação a 2019. A vacância, por sua vez, ficou em 9,3% no ano passado, contra 4,7% em 2019.

​Em nota, a Abrasce afirma que o IGP-M é um índice legal para reajustes de aluguéis e que é acordado por lojistas e shoppings em ambiente de livre negociação.

“Dessa forma, cabe aos empresários, que desejam usufruir de uma sociedade pautada pela livre iniciativa e pela liberdade de empreender, respeitarem os contratos. Eventuais renegociações devem ser feitas caso a caso”, diz a associação.

Segundo a Abrasce, as administradoras de shoppings abstiveram-se de mais de R$ 5 bilhões em adiamento e suspensão de despesas aos lojistas em 2020.

A GRU Airport, concessionária que administra o Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, afirma que contratos firmados com seus lojistas, em geral, não possuem reajuste pelo IGP-M.

“A concessionária, assim, não teve litígios sobre índices”, disse. Quanto aos impactos da pandemia de Covid-19, informa, ainda, que negociou e fechou acordos com a grande maioria de seus varejistas.