O aumento dos casos do novo coronavírus no interior do Brasil tem levado os infectados a chegar aos grandes centros urbanos com prognósticos bastante negativos de recuperação.
Nas últimas semanas, a curva de infecções e mortes no interior ganhou força, obrigando gestores nos estados a aumentar a oferta de leitos de UTI e os meios de locomoção de doentes.
Ao contrário de quando a epidemia se concentrava nas capitais, os doentes do interior tendem a receber tratamento inicial mais precário e demoram para entrar em atendimento intensivo, quando necessário –o que aumenta o número de óbitos.
“Cada vez mais os infectados do interior chegam em estado crítico aos hospitais com UTI. Sem acesso direto a leitos, eles têm de enfrentar horas de viagem até a internação”, diz Suzana Lobo, presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) e diretora do Hospital de Base de São José do Rio Preto, no interior paulista.
Embora as 27 capitais brasileiras agrupem 24% da população, elas têm quase a metade dos leitos de UTIs para adultos no país.
Já as unidades disponíveis no interior estão concentradas em cidades com mais de 100 mil habitantes (cerca de 300 municípios).
Isso leva a que apenas 6% das cidades do Brasil tenham leitos de UTI –e que aproximadamente 100 milhões de pessoas vivam em locais sem esse tipo de atendimento.
Correm maior risco 32 milhões de brasileiros (três vezes a população de Portugal, por exemplo) que residem em 3.670 municípios com até 20 mil habitantes.
Em condições normais, a concentração de leitos não traz grandes dificuldades e acompanha outros países, embora sem as dimensões continentais do Brasil.
O problema agora é que a Covid-19 se espraia com mais força e tem matado mais gente no interior, como mostra levantamento do DeltaFolha.
“Sobretudo no Norte e no Nordeste, a distribuição das UTIs é muito desigual, o que obriga transportar muitos doentes graves em condições não ideais”, diz Ederlon Rezende, conselheiro da Amib e diretor do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo.
Roraima, por exemplo, não tem leitos de UTI para adultos no interior do estado, de acordo com levantamento feito pela Amib.
No Amazonas, a proporção entre os leitos de UTI em Manaus e no interior é de 541 para 14. Em Sergipe, há 317 leitos em Aracaju e apenas 42 no interior do estado.
Em Pernambuco, onde quase 60% dos leitos de UTI estão concentrados na capital Recife, o governo estadual vem transferindo ventiladores para respiração mecânica e monitores da capital para as cidades do interior.
No Recife, que chegou a ter filas de 300 pessoas esperando por leitos, a epidemia refluiu, e agora ataca principalmente as cidades menores do estado –além de se espalhar com intensidade para pequenas comunidades do sertão.
“Com Caruaru e Bezerros em ‘lockdown’, e a taxa de infecções caindo no Recife, a corrida agora é para equipar o interior”, afirma Marcos Gallindo, coordenador de UTI Pública do hospital Agamenon Magalhães, na capital pernambucana.
Segundo Daniel Soranz, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, o problema adicional provocado pela interiorização da Covid-19 é que o desempenho clínico dos hospitais de baixa complexidade é falho –o que contribui para a piora do paciente antes que ele chegue a uma UTI.
“Além da capacidade resolutiva inicial muito baixa, se não houver depois uma ambulância de transporte avançado [mais bem equipada], o quadro do paciente piora muito.”
Soranz afirma que as cidades do interior também não têm capacidade laboratorial para a realização de testes do tipo RT-PCR –do tipo molecular e mais confiável– para triagem criteriosa de casos suspeitos.
De acordo com Magda Almeida, diretora de Medicina Rural da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), que reúne 47,7 mil equipes de atenção básica no país, são três as deficiências do sistema nos municípios menores do Brasil: dificuldade de reconhecimento precoce da doença (não só da Covid-19), estabilização dos doentes graves e seu transporte para centros de referência.
No Ceará, onde ela também atua na secretaria de Vigilância e Regulação do estado, o esforço tem sido levar leitos de UTI com respiradouros para o interior.
Na falta de médicos intensivistas nessas localidades, as equipes fazem teleconsultas com profissionais dessa área em Fortaleza, que monitoram pacientes e equipamentos por via de smartphones.
O fato de o Ministério da Saúde não ter até hoje um mapa nacional localizando onde estão as UTIs com leitos disponíveis –uma promessa feita na gestão de Luiz Henrique Mandetta– também dificulta a distribuição de pacientes do interior para os grandes centros.
“Muitas vezes há leitos ociosos em cidades maiores que fazem fronteira com outro estado onde há demanda por internação. Mas os sistemas não conversam”, diz Ederlon Rezende, da Amib.
Apesar de também enfrentar problemas com a falta de leitos neste momento, a distribuição nos estados do Sul e do Sudeste do Brasil é mais equilibrada.
São os casos dos estados de São Paulo e do Rio. Em Minas Gerais, as cidades menores têm mais que o dobro de leitos em relação a Belo Horizonte –herança de uma rede hospitalar antiga.
“Uma melhor distribuição de leitos permite o remanejamento de pacientes entre municípios, se necessário”, afirma Mirella Oliveira diretora clínica da UTI do Centro Hospitalar do Trabalhador em Curitiba.
No Paraná, com 2.046 leitos do interior e 678 na capital, não há muitos casos de doentes sendo transferidos para Curitiba –mas sim no interior do próprio estado.”