Com ressignificação de adjetivo, MC Rebecca e Elza Soares lançam ‘A Coisa Tá Preta’
Este texto é sobre um feat inesperado para muitos: Elza Soares e MC Rebecca. As…
Este texto é sobre um feat inesperado para muitos: Elza Soares e MC Rebecca. As crias do subúrbio carioca uniram forças – ou melhor, as vozes – para ressignificar o adjetivo relativo à negritude. E, com este objetivo, as cantoras lançaram o clipe de A Coisa Tá Preta.
A primeira estrofe já começa com um tapa na cara dos racistas. “Quem não sabe de onde veio não sabe pra onde vai. Sou preta, favelada, abusada e sou linda demais.” Em outro verso, a letra ressalta que a valorização dos moradores das comunidades, incluindo o negro, ocorre apenas durante o Carnaval.
De forma negativa, isso acontece diariamente, quando a o racismo se disfarça de Justiça ao apontar a pessoa negra como a mais provável acusada de algum crime. “Natural do Rio de Janeiro. Onde preto favelado é destaque só no mês de fevereiro. Ou na página policial. Prende neguinho, a gente arruma um culpado e sai na capa do jornal.”
A letra ainda traz os casos do ator Vinicius Romão – preso erroneamente em 2014 após uma mulher tê-lo acusado de roubo – e o DJ Rennan da Penha, que chegou a ser condenado por associação do tráfico por idealizar o Baile da Gaiola, maior baile funk do Rio de Janeiro. Ambos são citados como forma de que o preto sempre é visto como criminoso.
Rebecca destaca, na música, que para vencer na vida ela teve que rebolar – no sentido literal da palavra. E tem que sentir muito orgulho disso mesmo, pois foi assim que hoje ela, sendo preta e da favela, venceu e mora na Barra da Tijuca, área nobre carioca. Ou como ela mesma diz, é “vizinha do playboy”. A letra ainda traz o grito de independência feminina, seja no campo amoroso ou financeiro.
Antes do refrão, as cantoras fala diversas palavras que fazem alusão a história dos pretos, como o continente com mais negros no mundo (África), as religiões de matriz africana (Candomblé e Umbanda) e até referências cinematográficas, como Wakanda, país fictício da África Subsaariana de Pantera Negra.
“Por que que a fome é negra? Se negra é a beleza? Se todo mundo canta e tá feliz, é que a coisa tá preta”, com esse refrão, as cantoras dão um significado positivo para este ditado popular que, por anos, foi interpretado como algo ruim; uma situação está difícil.
A Coisa Tá Preta mostra que, se a coisa está preta mesmo, é porque os pretos estão felizes com as conquistas diárias, por mais simples que sejam, como mais um dia sem ser apontado como o criminoso pela polícia, mídia ou por uma pessoa não negra. Desculpa, mas essa frase não é para você, não negro, ficar falando. Você não sabe o verdadeiro significado e o poder dessa frase.
Além disso, a música impõe o direito de sonhar e de lutar para conquistar. Pode falar o que quiser, mas o preto vai ter espaço no alto escalão social. Vai morar nos melhores bairros da cidade. E vai ser feliz ao deixar um espaço melhor para os seus descendentes. Essa música soa como um grito de luta, mas muito mais do que isso. É um grito de esperança!
Elza Soares não fica atrás, não. Também nasceu no subúrbio carioca. Só que em outra geração e época. Elza completou 90 anos este ano enquanto Rebecca tem 22. Porém, o grito contra o racismo de Elza já vem de muito cedo e nunca esteve tão atual.
Quem não se lembra dos versos de A Carne, faixa na qual Elza entoa que “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. A música atemporal faz lembrar do episódio da morte de João Alberto, provocada por seguranças no Carrefour em Porto Alegre. Nunca palavras fizeram tanto sentido em uma sociedade racista como a nossa. E digo mais: machista e misógina, onde poucos habitantes seguem no caminho da desconstrução para se tornarem pessoas melhores.
A realidade é que Elza e Rebecca são exemplos que o adjetivo preta é denotação de beleza, positividade, reconhecimento, orgulho e autenticidade. Eu só posso convidar a você a ouvir esse presente que elas nos deram.