Combate a queimadas na Amazônia e no Pantanal foi atrasado em quatro meses
No ano com maior registro de queimadas da última década da Amazônia e da história…
No ano com maior registro de queimadas da última década da Amazônia e da história do Pantanal, os brigadistas do Ibama responsáveis por conter o fogo chegaram com quatro meses de atraso. O GLOBO teve acesso a uma série de relatórios internos do órgão do Ministério do Meio Ambiente (MMA), mostrando que mudanças na lei e uma série de registros burocráticos contribuíram para o atraso dos brigadistas. A demora para o envio dos servidores inviabilizou a proteção de territórios indígenas e também expôs localidades do Cerrado.
A autorização para a viagem dos brigadistas recebeu o aval do Ministério da Economia (ME) apenas em junho, dois meses após o assunto chegar à pasta. Foi aprovado o envio de 1.481 profissionais para as áreas de queimadas. O Ibama permite, por lei, a contratação de 2.520.
O órgão do MMA contava com o reaproveitamento dos brigadistas que combateram as queimadas na Amazônia em 2019, visto que os treinamentos previstos para a formação das novas equipes foram suspensos, devido à pandemia do coronavírus.
No entanto, em fevereiro, o governo federal editou a medida provisória 922, que descreve as condições sobre o trabalho temporário no serviço público. O texto impede a recontratação de pessoas que prestaram serviços, a menos que seja precedida de “processo seletivo simplificado de provas ou de provas e títulos”.
Após receber o aval do ME, o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais do Ibama (Prevfogo) ainda precisou esperar até 10 de agosto para a publicação de uma portaria que deu a autorização definitiva para a contratação dos brigadistas. Foi o capítulo final de um trâmite burocrático que, segundo especialistas, deveria ter se encerrado em abril.
Ano crítico
Não faltaram avisos, dentro dos órgãos ambientais do governo federal, de que as condições climáticas de 2020 seriam particularmente severas. O Prevfogo encaminhou o pedido para a contratação de brigadistas, o que seria feito sem gastos extras ao governo, ainda em janeiro. No dia 18 de março, o MMA publicou uma portaria estabelecendo período crítico de emergência em relação a incêndios florestais em 17 estados — entre eles, todos os localizados na área da Amazônia Legal e do Pantanal.
No dia 15 de abril, enquanto o ME analisava os contratos para envio dos brigadistas, a Diretoria de Proteção Ambiental (Dipro) do Ibama, à qual o Prevfogo está subordinado, organizou uma videoconferência com a Fundação Nacional do Índio (Funai), relatando que os brigadistas não deveriam chegar aos territórios indígenas antes de junho. O principal objetivo do documento era alinhar o discurso entre os dois órgãos diante das condições climáticas e burocráticas:
“Ressalto que 2020 é o ano de maior atraso na contratação dos brigadistas, prejudicando todas as atividades de prevenção e inviabilizando a conclusão das queimas prescritas em quase todas as terras indígenas”, reconheceu a Dipro, referindo-se a mecanismos legais de reforço para prevenção de incêndios, normalmente realizados no início da estação seca, que seriam feitos em 17 territórios de população nativa.
“Além disso, o presente ano vem se destacando pelas dificuldades de atuação dos órgãos de proteção devido a Covid-19, o aumento dos desmatamentos e as previsões climáticas desfavoráveis. Esses fatores indicam que provavelmente teremos uma das piores temporadas de incêndios florestais já registradas.”
O ofício acrescenta: “Dessa forma, solicito o máximo de esforço para aprovar esses Planos de Trabalho, uma vez que são a única oportunidade para implementar as atividades de prevenção e de redução do combustível florestal no Cerrado em tempo hábil”.
Na videoconferência, a Dipro anunciou que todas as atividades relacionadas a educação ambiental, orientações técnicas sobre uso do fogo e recuperação de áreas degradadas, entre outras ações preventivas que beneficiariam os povos nativos, estavam, a princípio, canceladas.
Procurado pela reportagem, o ME informou que pediu mais esclarecimentos sobre a contratação dos brigadistas porque o MMA “não apresentou uma série de documentos obrigatórios, conforme determina o regulamento para solicitação de contratação temporária”.
O ME destacou, também, que a medida provisória que regia normas sobre contratação temporária — que impediu a convocação dos profissionais que atuaram nas queimadas de 2019 — “perdeu sua eficácia em 30 de junho de 2020”.
O MMA e o Ibama não responderam aos pedidos de entrevista.
Em abril, o Pantanal contava com 784 focos de fogo — 23 vezes mais do que o visto no mesmo mês no ano passado (33). Na Amazônia, a quantidade de incêndios entre maio e julho foi superior à vista no mesmo trimestre em 2019.
Paulo Moutinho, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, considera que a expansão das queimadas é reflexo da “falta de planejamento estratégico e de um plano de longo prazo para o combate ao fogo”.
— Desde o ano passado, toda a reação restringiu-se a ações emergenciais, e assim não há como debelar as queimadas — avalia. — Os indígenas são as maiores vítimas, eles precisam de políticas preventivas porque grileiros e desmatadores usam o fogo para invadir suas terras.
Carlos Minc, ex-ministro do Meio Ambiente, destaca que órgãos governamentais fizeram um “jogo de empurra” diante da crise ambiental, desqualificando as previsões feitas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais sobre a dimensão da seca.
— Todos os governos sérios começam a se planejar no início do ano, conversando com secretarias estaduais de Meio Ambiente e Agricultura, até porque não é de um dia para o outro que os ministérios darão os programas carimbados — explica. — Obviamente a pandemia atrapalhou o combate às queimadas, e por isso os brigadistas do ano passado deveriam ser reaproveitados. A medida provisória foi errada.