Comunidades quilombolas têm seis mortes pela covid-19
No total, são sete os casos confirmados da doença
Em balanço independente, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) identificou, até o momento, seis óbitos decorrentes da covid-19 em territórios quilombolas. No total, são sete os casos confirmados da doença, enquanto outros 30 são considerados suspeitos.
A primeira morte identificada pela entidade ocorreu em 11 de abril. A vítima era Moacyr Silva, de 57 anos, que vivia no Quilombo Abacate da Pedreira, em Macapá. Oito dias depois, falecia no Quilombo Espírito Santo, em Cacoal (PA), Simone Paixão Moraes, 29 anos, a paciente mais nova dentre os incluídos no levantamento. Os demais óbitos ocorreram em Professor Jamil (GO), Acará (PA) e Macapá (AP). Há outro caso, cujos detalhes foram preservados a pedido da família da vítima, de modo que a Conaq se limita a informar que aconteceu no estado de Pernambuco.
Em entrevista à Agência Brasil, Gilvânia Maria da Silva, coordenadora da Conaq, acrescentou que uma quilombola da Bahia faleceu antes que os familiares pudessem confirmar o diagnóstico, mediante testagem. Se o resultado desse positivo, a mulher seria a sétima vítima da doença. Em nota, a Conaq afirma que têm recebido denúncias de quilombolas com sintomas de covid-19 que tiveram pedidos por testes de diagnóstico negados.
“Não deu tempo de ela chegar à cidade, porque eram 18 quilômetros [até o quilombo]. O marido tentando levá-la de todo jeito, para salvá-la e ela não teve condição de chegar, porque não tinha ambulância e, se fosse a um posto de saúde, ninguém queria chegar perto. Ele tentou salvar, levando-a à cidade, no próprio carro. A mulher morre no caminho e é sepultada como morte por covid, mas a gente não pode dizer que foi covid, porque não teve diagnóstico”, contou Givânia, educadora e ex-secretária nacional de Políticas para Populações Tradicionais, que nasceu no quilombo de Conceição das Crioulas, interior de Pernambuco.
Na avaliação da representante da Conaq, a pandemia do novo coronavírus exacerba a exclusão que tem desterrado sistematicamente os quilombolas da sociedade.Ela diz que um dos efeitos produzidos por esse processo é a subnotificação de casos de covid-19 entre as comunidades, que se esforçam para mapear, sozinhas, os quilombolas infectados.
“O que nós temos dito e afirmado, não só agora no momento da pandemia, é o que a Conaq tem denunciado em todo o seu percurso de existência, que é um abandono do Estado, uma ausência total e parcial – em algumas comunidades, é total – de politicas púbicas. Em um momento como esse, a pandemia agrava um quadro que já é agravado por si só, em função de todo esse histórico de política de Estado nos quilombos”, explicou.
Givânia aponta também que o contexto em torno dos quilombolas se traduz, atualmente, em desassistência por parte da rede de saúde e em obstáculos que os quilombolas precisam transpor no dia a dia, a fim de adotar medidas básicas de prevenção contra o Sars-Cov-2, como lavar as mãos. Em nota, a Conaq ressalta que em muitos quilombos falta água potável. A entidade complementa a colocação, dizendo que também têm tido dificuldade para requerer a renda básica emergencial, concedida pelo governo federal, uma vez que não têm acesso ao aplicativo nem ao site por meio dos quais a solicitação ao benefício é feita.
“Ninguém fala, na grande imprensa, que quilombolas são um grupo de risco. Ontem (23), pela primeira vez, ouvi um pesquisador da Fiocruz alertar para o fato de que indígenas e quilombolas, com a interiorização [a propagação do vírus no interior do país], são grupos com forte possibilidade de serem afetados. Somos invisibilizados de toda forma”, diz Givânia.
Em comunicado, a Conaq compara as dificuldades enfrentadas pelos quilombolas àquelas a que a população periférica está submetida. “A desigualdade do enfrentamento ao coronavírus, que já se mostra evidente nas periferias urbanas, terá um impacto arrasador nas comunidades negras rurais, se a doença mantiver este ritmo de alastramento e letalidade”, escreve a organização, que classifica a situação como consequência de racismo institucional.
No total, existem no Brasil 2.847 comunidades quilombolas, de acordo com a Conaq. A maioria delas está localizada no Nordeste (1.724). Em seguida, estão a região Norte (442) e Sudeste (375). O Sul concentra 175 comunidades e, em último lugar na lista, aparece o Centro-oeste, com 131.
No início da manhã, a Agência Brasil solicitou ao Ministério da Saúde que elencasse as ações direcionadas às comunidades quilombolas, durante a pandemia de covid-19. Até a publicação desta matéria, a assessoria de imprensa do órgão não deu retorno.