Conselheiro de segurança de Trump vem ao Brasil anunciar pacote comercial
Além do pacote, conselheiro fez campanha anti-China; Delegação americana quer passar mensagem de que alinhamento dos países pode compensar mal-estar com Pequim
Chefe de uma delegação americana no Brasil, o embaixador Robert O’Brien chegou ao país para participar do anúncio de um pacote comercial entre os dois governos às vésperas das eleições americanas.
Mas O’Brien, conselheiro de segurança de Donald Trump, deve usar audiências com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), nesta terça-feira (20), para defender ainda um dos principais pontos de Washington na agenda internacional.
Os americanos estão empenhados em reduzir a influência global da China e ainda barrar a empresa Huawei do mercado de 5G por ela não oferecer garantias de segurança e privacidade, na visão dos EUA.
O conselheiro de Trump lidera uma comitiva também formada pelo vice-representante de Comércio dos EUA, Michael Nemelka, a presidente do Eximbank (Banco de Exportação e Importação), Kimberly Reed, e a diretora do banco estatal de fomento DFC (U.S. International Development Finance Corporation), Sabrina Teichman.
O principal objetivo público dos dois dias de agenda é a assinatura de três protocolos comerciais entre os países, voltados para as áreas de facilitação de comércio, boas práticas regulatórias e combate à corrupção.
No entanto, os integrantes da comitiva, as reuniões agendadas e a própria liderança de O’Brien indicam uma nova ofensiva americana para tentar barrar ou ao menos limitar a participação da Huawei na rede de 5G do Brasil.
Em entrevista à Folha, o presidente da Huawei no Brasil, Sun Baocheng, disse que, se a empresa for banida no país, o brasileiro pagará mais caro pelo 5G.
Ele defendeu que, sem a Huawei, a evolução da tecnologia de quinta geração demoraria até quatro anos para ser iniciada porque as teles teriam de trocar todos os equipamentos, que não conversam com o 5G dos concorrentes. Isso tornaria a evolução da telefonia mais cara para os brasileiros.
Defensor de uma abordagem linha-dura contra a China, foi O’Brien, por exemplo, quem elogiou a recente decisão do Reino Unido de retirar a empresa chinesa do seu mercado do 5G.
O principal objetivo de Washington é que o Brasil e outros países coloquem travas para que a Huawei não forneça equipamentos para a nova geração de tecnologia de telecomunicações, cujo leilão de frequência no Brasil deve ocorrer no ano que vem.
Segundo disseram à Folha interlocutores, o tema deve estar na agenda tanto do encontro de O’Brien com Bolsonaro quanto com Heleno, chefe do GSI, ambos previstos para esta terça.
O GSI tem participado das conversas para o estabelecimento de regras para a atuação de fornecedores no mercado de 5G e é considerado pelos americanos peça-chave para vencer a resistência em outros órgãos do governo.
O Ministério da Agricultura, comandado por Tereza Cristina, e o vice-presidente Hamilton Mourão temem que o eventual banimento da Huawei crie um problema diplomático para o Brasil com a China, hoje o principal parceiro comercial do Brasil.
A delegação encabeçada por O’Brien foi montada para transmitir a mensagem que o governo dos Estados Unidos está realizando aportes no Brasil e que a estratégia de Bolsonaro de se alinhar a Trump trará resultados econômicos para o país que poderiam compensar um mal-estar com Pequim.
Nesta segunda-feira (19), o DFC, banco público criado para apoiar objetivos geopolíticos dos EUA, anunciou financiamentos na ordem de US$ 984 milhões (cerca de R$ 5,4 bilhões) no Brasil.
As medidas incluem empréstimos ao Itaú e ao BTG Pactual para o apoio a pequenas e médias empresas.
O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, participou virtualmente do evento Brazil Connect Summit, convocado para marcar a assinatura dos protocolos comerciais. Ele deixou claro a visão da administração Trump.
Pompeo alertou que os Estados Unidos e o Brasil precisam diminuir sua dependência de importações da China.
“Na medida em que podemos encontrar maneiras de aumentar o comércio entre nossos dois países, podemos diminuir a dependência de cada uma de nossas duas nações de itens essenciais saídos da China”, disse.
“Cada um de nossos dois povos ficará mais seguro, e cada uma de nossas duas nações será muito mais próspera, seja daqui a 2, 5 ou 10 anos”, afirmou.
Propagandeado pelas autoridades brasileiras como um dos principais resultados econômicos dessa aproximação estratégica entre Trump e Bolsonaro, o pacote comercial foi assinado na noite de segunda.
“A razão que estamos aqui, mesmo numa campanha eleitoral avançada, é porque acreditamos que esta é uma relação estratégica global entre Brasil e os EUA”, disse O’ Brien, após uma reunião na Fiesp, seu primeiro compromisso oficial no Brasil.
Segundo ele, Brasil e EUA são países democráticos e que acreditam na livre iniciativa, além de trabalhar juntos na crise da Covid-19 e na proteção do modo de vida no hemisfério e no mundo.
“O povo americano ama o povo brasileiro e o contrário também é verdade, e acho que a relação entre o presidente Trump e o presidente Bolsonaro demonstra muito bem isso, então é um prazer estar aqui e anunciar mais coisas em breve”, disse O’ Brien.
Os protocolos visam agilizar processos envolvidos nas trocas comerciais, em ações de desburocratização.
Em um acordo não tarifário, Brasil e EUA se comprometeram com prazos mais curtos para trâmites de liberação de mercadorias, além de regras para garantir que estados e governos nacionais não criem regulamentações excessivas.
Também constam dos protocolos um dispositivo pelo qual ambos países se comprometem a consultar o setor privado antes de editar normas que impactam o comércio bilateral.
Ainda fazem parte dos protocolos instruções para a publicação facilitada na internet das regras de importação-exportação dos dois governos.
Um dos itens mais aguardados pelo setor privado, no entanto, ficou de fora dos protocolos, embora autoridades brasileiras digam que está em fase avançada e deve ser anunciada em breve.
Trata-se do reconhecimento dos operadores econômicos autorizados, programa pelo qual a Receita Federal e sua correspondente nos EUA certificam determinados exportadores que são considerados confiáveis e de baixo risco, que passam a ter tratamento agilizado nas aduanas dos dois países.
O texto faz referência ao compromisso das duas administrações em concluir esse entendimento.
No entanto, o pacote comercial chega em um momento em que o comércio bilateral Brasil-EUA foi fortemente golpeado pela pandemia da Covid-19 e por fatores como restrições aplicadas por Trump contra a entrada de aço brasileiro nos EUA.
Segundo a Amcham-Brasil (Câmara Americana de Comércio para o Brasil), o comércio entre os dois países registrou até setembro o pior resultado dos últimos 11 anos, com trocas que somaram US$ 33,4 bilhões (25,1% a menos do que o mesmo período do ano passado).
A previsão da entidade é que o Brasil acumule o maior déficit com os EUA dos últimos cinco ou seis anos.
Uma das entidades que apoiou a celebração dos protocolos comerciais, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) diz que travas burocráticas como as afetadas pelo acordo de facilitação de comércio chegam a encarecer em até 14% os custos do comércio internacional.
“Na nossa visão, a conclusão desses acordos, desse pacote, é muito positivo. É uma medida concreta de integração econômica e pragmática com os EUA, um mercado principal da indústria”, disse Constanza Negri Biasutti, gerente de Política Comercial da CNI.
Já Abrão Neto, vice-presidente executivo da Amcham-Brasil, diz que os protocolos são uma oportunidade para apoiar o comércio entre os dois países.
“É um pacote formado por temas não tarifários, bastante técnicos, mas que trazem benefícios práticos muito significativos para o dia a dia das empresas e para as trocas comercias entre Brasil e Estados Unidos”, afirmou.