Constitucionalistas questionam Lei de Segurança Nacional em Comissão Internacional
Grupo de juristas constitucionalistas se uniu para questionar a Lei de Segurança Nacional na Comissão…
Grupo de juristas constitucionalistas se uniu para questionar a Lei de Segurança Nacional na Comissão Interamericana de Direito Humanos. Em comunicado a imprensa, o colegiado afirma que a citada legislação, criada com intuito de inibir críticos da Ditadura Militar, “volta agora a ser utilizada com o mesmo intuito indevido, no entanto não mais sob um regime ditatorial, mas em pleno Estado Democrático de Direito”.
O documento lembra que, nos últimos dois anos, houve um aumento de 285% de inquéritos policiais instaurados com base na Lei de Segurança Nacional. “Como os projetos de lei que revogam a Lei de Segurança Nacional não foram colocados em pauta para votação no Congresso Nacional, bem como as ações que discutem sua validade ainda não foram julgadas pelo Judiciário, decidimos reunir um grupo de advogados e advogadas de todo o Brasil para levar a questão até a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.”
Um dos casos mais recentes do uso da lei, inclusive, foi contra o empresário e youtuber Felipe Neto. Ele foi acusado de crime contra a segurança nacional e de calúnia por chamar o presidente Jair Bolsonaro de “genocida” quando as mortes pelo coronavírus eram cerca de 278 mil. Ele recebeu a intimação no último dia 15.
No dia 18, contudo, a juíza Gisele Guida de Faria, da 38ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, decidiu pela suspensão da investigação. Felipe foi denunciado por Carlos Bolsonaro, vereador e filho do presidente, mas a magistrada viu “flagrante ilegalidade” em uma possível investigação da Polícia Civil, que não tem competência para apurar a denúncia.
Comunicado
Ainda segundo o grupo, na petição pretendem demonstrar “episódios tristes de aplicação desmesurada e ilegítima da Lei de Segurança Nacional, que vitimou vários brasileiros, muitos dos quais estarão formalmente representados pelo nosso grupo na petição que levaremos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos”. Com isso, eles pretendem levar ao conhecimento de organismos internacionais a estrutural violação de direitos, como o liberdade de expressão.
O projeto tem cerca 20 advogados subscritores e centenas de outros advogados apoiadores em todo o País. Assinam o comunicado: Antonio Kozikoski, Caio Domingues, Caio Paiva, Clodoaldo Moreira, Flávio Martins, Gabriel Canedo, Gabriel Divan, Jefferson Borges, José Marques, Lucas Lehfeld, Luciana Berardi, Marcello Fiore, Marcelo Feller, Marcelo Valio, Maurício Bunazar, Regina Almeida Luciano, Renata Domingues, Ricardo Victalino e Rodrigo Pardal.
Clodoaldo Moreira, que é phd. em Direito Constitucional e membro da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB nacional, explica que, diante dos fatos ocorridos – seja o caso de Felipe Neto e outros que “ofenderam a honra do presidente”, seja quando o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) por críticas a própria corte -, o grupo foi motivado.
Segundo ele, existem duas ações diretas de inconstitucionalidade no STF, ainda aguardando julgamento. Contudo, enquanto essas ações aguarda, “pessoas são julgadas por esse crime, sendo que estavam dentro do direito de sua liberdade de expressão”.
Daniel Silveira
Daniel Silveira, destaca-se, ele foi preso em flagrante a pedido do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, no dia 16 de fevereiro. Ele é alvo de dois inquéritos na corte – um apura atos antidemocráticos e o outro, fake news.
Moraes é relator de ambos os casos, e a ordem de prisão contra o deputado bolsonarista foi expedida na investigação sobre notícias falsas, após o parlamentar gravar um vídeo com ataques aos ministros do STF. Posteriormente, a prisão foi confirmada pela corte e endossada pela Câmara, por 364 votos a 130.
No último dia 14, contudo, o próprio ministro Alexandre de Moraes concedeu prisão domiciliar ao deputado, que está sob investigação na Comissão de Ética da Câmara.
Confira na íntegra:
Muitos foram os instrumentos jurídicos utilizados pela ditadura militar para inibir os seus críticos, limitar as liberdades de imprensa e de expressão. Muitos desses instrumentos se mostram absolutamente incompatíveis com o Estado Democrático de Direito implantado pela Constituição de 1988. Em alguns casos, a incompatibilidade é tão profunda e sistêmica que exige o reconhecimento de sua integral ineficácia, pela não recepção da norma, como ocorreu com a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), que foi julgada pelo STF (na ADPF 130) totalmente ineficaz, por não ter sido recebida pelo novo regime jurídico posto pela Constituição Federal. Lamentavelmente, outro instrumento jurídico criado pelo regime militar instalado no Brasil foi a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83).
Criada com o escopo principal de inibir as críticas e perseguir os opositores do regime militar, a famigerada Lei de Segurança Nacional volta agora a ser utilizada com o mesmo intuito indevido, no entanto não mais sob um regime ditatorial, mas em pleno Estado Democrático de Direito. Segundo noticiado pela imprensa, nos últimos dois anos, houve um aumento de 285% de inquéritos policiais instaurados com base na Lei de Segurança Nacional. Além das defesas individuais, destinadas a derruir os atos estatais abusivos, inúmeras instituições buscam a prestação jurisdicional com eficácia “erga omnes” para fazer cessar essa endêmica e autoritária interpretação da Lei de Segurança Nacional, que não permite uma crítica, ainda que profunda, ácida e incômoda, às autoridades instituídas. Não obstante, malgrado haja inúmeras ações com esse escopo, não é raro ver a lei sobredita ser invocada por todos os Poderes instituídos, em defesa de seus próprios interesses. Como os projetos de lei que revogam a Lei de Segurança Nacional não foram colocados em pauta para votação no Congresso Nacional, bem como as ações que discutem sua validade ainda não foram julgadas pelo Judiciário, decidimos reunir um grupo de advogados e advogadas de todo o Brasil para levar a questão até a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, nos termos do artigo 44, do Pacto de São José da Costa Rica.
Em nossa petição, apontaremos episódios tristes de aplicação desmesurada e ilegítima da Lei de Segurança Nacional, que vitimou vários brasileiros, muitos dos quais estarão formalmente representados pelo nosso grupo na petição que levaremos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Nosso projeto, que conta com cerca de 20 advogados subscritores e centenas de outros advogados apoiadores em todo o país, tem dupla finalidade. Primeiramente, levar ao conhecimento de organismos internacionais a estrutural violação de um dos mais basilares direitos, que é a liberdade de expressão, um corolário inafastável e indissociável da democracia. Outrossim, juntando-se a tantas outras iniciativas no plano nacional, tentaremos obter no plano internacional as medidas capazes de reverter o atual e preocupante quadro.