No escuro

Consumidor pode pagar mais R$ 3,6 bi na conta de luz para evitar apagão

Se a crise continuar tão grave quanto agora, o ONS prevê que praticamente todos os recursos das hidrelétricas se esgotem até novembro

Aumento médio da conta de luz pode ficar abaixo de 21% no ano que vem - (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

O consumidor poderá ter uma conta extra de mais R$ 3,6 bilhões na conta de luz para evitar que o país sofra um apagão de energia.

Na última quinta (22), o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) acendeu um novo alerta com uma nota técnica sobre os desafios frente ao cenário de grave crise hídrica nos reservatórios de hidrelétricas, sinalizando que a capacidade de geração de energia no país poderá ser levada ao seu limite.

Se a crise continuar tão grave quanto agora, o ONS prevê que praticamente todos os recursos das hidrelétricas se esgotem até novembro.

​Apesar de não ver ainda riscos de desabastecimento, o operador indica que as “sobras” de potência — necessárias para atender eventuais picos de demanda ou garantir a estabilidade do sistema mesmo em casos de falhas eventuais na oferta— poderão se esgotar no penúltimo mês do ano.

Para manter os reservatórios e o fornecimento de energia, foram gastos de janeiro a maio R$ 3,632 bilhões, ou cerca de R$ 726,4 milhões mensais, com o acionamento de usinas térmicas mais caras (fora da chamada ordem de mérito de custo) e poluentes. Esse valor é repassado ao consumidor nas bandeiras tarifárias, acionadas quando a produção de energia encarece.

Segundo a Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia), custo semelhante, na casa dos bilhões, deve ocorrer até novembro, quando termina o período seco, para manter essas térmicas ligadas e evitar o colapso das hidrelétricas até que o período chuvoso se inicie. E, novamente, a conta deverá ser repassada para o consumidor.

Segundo Reginaldo Medeiros, presidente executivo da Abraceel, a possibilidade de usar as usinas mais caras existe exatamente para momentos de crise, como o atual.

“É a crise mais grave em um século e não há muito mais a ser feito, além de usar todos os recursos disponíveis para evitar um racionamento. Vai sair mais caro, mas ninguém quer ficar sem luz”, diz.

Novembro é justamente quando, em tese, tem início o chamado período molhado, que vai até março ou abril, e é quando historicamente há maior volume de chuvas nas regiões das hidrelétricas com grandes reservatórios.

Medeiros acrescenta que, apesar do medo de um novo racionamento, o momento atual é diferente daquele vivido pelo país no apagão de 2001. “O sistema elétrico é outro. Antes, ele era fundamentalmente hidráulico; agora, há mais fontes disponíveis e um sistema mais eficiente de transmissão.”

O sinal vermelho foi ligado após o ONS elevar a previsão de carga e considerar uma menor e mais “realista” disponibilidade térmica para atender a demanda de energia, conforme a nota técnica.

O cenário, segundo o ONS, “resulta em uma degradação dos níveis de armazenamento ao final do período seco quando comparado com os resultados do estudo prospectivo anterior, em especial dos subsistemas Sul e Nordeste”.

“Com relação ao atendimento aos requisitos de potência, observam-se sobras bastante reduzidas no mês de outubro, com o esgotamento de praticamente todos os recursos no mês de novembro”, afirmou o ONS, em sua nota técnica.

O aumento da previsão de carga se deu, segundo o órgão, após um crescimento das atividades do comércio e serviços, além da manutenção do ritmo elevado da produção industrial, principalmente daquelas voltadas para exportação.

A atualização do estudo incorpora as flexibilizações de restrições hidráulicas já autorizadas e considera o aumento do PIB (Produto Interno Bruto) para 4,5% ao ano, em vez dos 3% ao ano que até então era usado como parâmetro.

Já o governo trabalha com uma previsão de 5,3% para a alta do PIB em 2021.

Em contrapartida, o ONS frisou em comunicado que, nos dois cenários considerados na nota técnica, “não há risco de desabastecimento elétrico, mesmo diante das piores sequências hidrológicas de todo o histórico de vazões dos últimos 91 anos”. A fonte hídrica é a principal geradora de energia do país.

O professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Maurício Tolmasquim afirma que o cenário de oferta apertada apresentado pelo ONS traz um alerta para eventuais riscos de apagões de energia pontuais em momentos de picos de demanda ou caso haja qualquer problema na oferta.

“A situação mais complicada, que demanda mais atenção, continua sendo a questão do atendimento no horário de ponta. Como estará apertado em termos de sobras, qualquer aumento inesperado da demanda ou falha na oferta. pode trazer um problema”, diz.

Tolmasquim, que também foi presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), explica que como o sistema elétrico brasileiro é interligado, blecautes pontuais podem ser restritos ou alcançar grandes regiões.

O especialista, pondera, no entanto, que tudo dependerá ainda se a economia crescerá dentro do previsto atualmente ou de situações de demanda, como temperaturas no mês de novembro, que podem gerar mais ou menos consumo de ar-condicionado, por exemplo.

O ONS também destacou em comunicado que “embora o estudo indique que até o fim de 2021 a situação permanecerá sensível, o Operador está acompanhando os desdobramentos das ações já em curso e atuando dentro de suas atribuições para aumentar a oferta das fontes de energia e garantir que não haja a suspensão do suprimento elétrico”.

Em meio à crise, a agenda do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, ficará mais de 20 dias em viagem internacional e férias entre o fim de julho e agosto. A agenda de Albuquerque prevê compromissos na Itália e nos Estados Unidos.

A pasta diz que mesmo em viagem a serviço ou em férias, o ministro continuará atento e acompanhando todos os desdobramentos da atual conjuntura “e, a qualquer momento em que se faça necessária a sua presença, interromperá a viagem/férias, aliás, como já ocorreu em ocasiões anteriores”.