Consumo de cigarro aumentou para 34% durante a pandemia, diz Fiocruz
Crescimento, que foi ainda mais significativo entre mulheres e pessoas com escolaridade mais baixa, foi atribuído a quadros de depressão e insônia
Segundo pesquisa da Fiocruz, 34% dos fumantes brasileiros declararam ter aumentado o número de cigarros fumados durante a pandemia. Este crescimento, ainda de acordo com o estudo, está associado à deterioração da saúde mental dos tabagistas, com piora de quadros de depressão, ansiedade e insônia.
Porém, esse aumento foi ainda maior entre aqueles que também afirmaram ter piora no sono (45,5%) e agravamento de sentimentos de solidão (39,6%), tristeza (46,3%) e nervosismo (43,3%). Segundo o epidemiologista Paulo Borges, um dos responsáveis pela pesquisa, ainda não é possível saber se o aumento do cigarro piorou a saúde mental dos tabagistas ou o contrário, ou seja, se a deterioração da saúde mental induziu ao aumento do consumo de cigarro por quem já fumava.
— De qualquer forma, esse é um cenário muito preocupante não só porque o cigarro é um fator de risco para várias doenças, inclusive para a Covid-19. Mas, como há uma possibilidade desse hábito permanecer após a quarentena, já que a nicotina é altamente viciante, e o cigarro associado aos outros fatores que vieram com a pandemia, como o estresse, diminuição do exercício físico e ansiedade, pode elevar o número de casos de doenças crônicas, cardiovasculares e câncer e se tornar um problema de saúde grave, inclusive elevando os custos e sobrecarregando o sistema (de saúde).
Os dados sobre a relação entre o cigarro e saúde mental ainda serão publicados pelo grupo de pesquisa Convid, da Fiocruz, que analisa os números coletados com 44 mil pessoas em um estudo em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), feito entre abril e junho. A pesquisa detectou também que o aumento foi maior entre pessoas de menor escolaridade (45,1%) e entre mulheres (38,1%).
Dependência está associada a doenças e pode piorar quadros da Covid-19
— Além de ser fator de risco para várias doenças coronarianas, bronquite crônica, enfisema pulmonar, doenças vasculares e estar intimamente ligado ao câncer de pulmão, o tabagismo é certamente um dos hábitos que contribui para formas mais graves de infecção por coronavírus — afirma o oncologista Bruno Ferrari, do Grupo Oncoclínicas.
A dependência está associada a cerca de 420 mortes diárias no Brasil e a gastos de R$ 56 bilhões em despesas médicas anuais. O consumo aumenta em 30% as chances de desenvolver algum câncer, por exemplo. Atualmente, 9,8% da população brasileira se declara fumante, cerca de 20 milhões de pessoas. Ou seja: o aumento no número de cigarros pode ter atingido até sete milhões de pessoas.
A carioca Jessica Santos, de 32 anos, é uma delas. Ela afirma que viu o seu consumo aumentar “exponencialmente” desde que começou o isolamento social, em março:
— Eu fumava uma média de um maço de cigarro por semana. Agora, já me vi consumindo um maço em apenas dois dias, e isso só tem piorado. Ele aparece em todos os momentos: do tédio à ansiedade, mas especialmente quando estou estressada e triste, que tem acontecido muito mais agora que não consigo ir à praia ou rever os amigos. Eu tenho esperança que isso vai voltar ao normal depois que passar, mas fico com receio.
Aumento no número de cigarros ilegais preocupa
Em 2000, foi sancionada a lei que proíbia propagandas de cigarro no país. A mudança foi considerada um marco e, segundo a Organização Pan Americana de Saúde (Opas), responsável pela queda em mais de 30% no número de fumantes no país desde então.
Na última década, no entanto, um fator adicional tem preocupado os especialistas: o crescimento do cigarro ilegal e/ou contrabandeado, que já responde por 57% do mercado nacional, segundo o Ibope. O país está, segundo pesquisa da Oxford Economics, em primeiro lugar no mundo no consumo de cigarros ilícitos.
A população de menor escolaridade e de menor renda é a maior consumidora desse tipo de tabaco, o que aumenta as suspeitas de que o consumo desse cigarro também teve aumento durante a pandemia, já que essa faixa da população foi a que relatou maior crescimento na quantidade de unidades fumadas.
O problema, afirmam especialistas, é que são produtos que não passam pelas normas de segurança da vigilância sanitária, nem respeitam os níveis químicos exigidos pelo Ministério da Saúde.
Como diz o advogado Edson Vismona, do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNPI), não há como “saber o que tem nesses cigarros e a qualidade dos compostos”, o que representa uma ameaça ainda maior à saúde dos fumantes e ao país:
— Esses produtos não geram arrecadação de imposto, um dinheiro que é usado para mitigar as consequências do tabaco na saúde. Além disso, o cigarro ilegal, ou contrabandeado financia grupos criminosos em todo o país, que são responsáveis pelo contrabando e a distribuição deles, muitas vezes que custam menos da metade dos legais, já que não são tributados.