ELEIÇÕES | SÃO PAULO

Covas é sócio de Doria em projeto atrasado e elitista, diz Boulos

Em campanha no 2º turno para tentar ser prefeito de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL)…

Em campanha no 2º turno para tentar ser prefeito de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL) subiu o tom contra o governador João Doria (PSDB) para atacar seu rival na disputa, o candidato à reeleição Bruno Covas (PSDB).

O líder de movimentos de moradia, que concorre pela segunda vez a um cargo eletivo –em 2018, disputou a Presidência–, diz à reportagem que a frente de apoios de esquerda a seu nome tem como objetivo derrotar Doria e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Boulos rebateu as pechas de inexperiente e radical que a campanha do PSDB tenta colar nele, disse que sua proximidade com Lula (PT) é de conhecimento público e afirmou que, se eleito, governará à base de diálogo com os movimentos sociais, de onde ele vem, e com a Câmara.
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Pergunta – Como vê o fato de ter chegado ao segundo turno, após derrotas da esquerda em São Paulo nas últimas eleições?
Guilherme Boulos – Em 2018 a eleição foi marcada por ódio e medo. De lá para cá, muita gente foi percebendo a que o voto com ódio nos levou. Isso abriu espaço para que em 2020 as pessoas votassem com esperança.

O que isso aponta em relação a 2022?
GB – Estamos construindo uma frente pela justiça social e pela democracia. Esta candidatura já não é mais só do PSOL e dos que estiveram com a gente no primeiro turno. Agora é de um campo amplo, que quer derrotar um projeto tão atrasado e elitista quanto é o do Doria na cidade.

Esse campo estará unido em 2022?
GB – Sempre trabalhei pela união da esquerda e vou continuar trabalhando por isso.

O sr. diz que as conversas de agora não envolvem espaço no governo, mas isso entrará na pauta se o sr. vencer. Como tratará esse tema?
GB – Ninguém governa sozinho. Eu nunca ia fazer um governo apenas do PSOL em São Paulo. A nossa candidatura alia a minha experiência de 20 anos do movimento social, vivendo na periferia, e a experiência administrativa da Luiza Erundina [PSOL, candidata a vice].

Tatto seria um bom secretário de Transportes?
GB – A Erundina me ensinou que indicar secretário antes da eleição dá azar. Paulo Maluf estava com o secretariado pronto em 1988 [ele perdeu para Erundina].

Qual a influência de Lula e do PT na sua campanha e na sua eventual gestão?
GB – Vocês conhecem minha relação não só com o PT e com o Lula, mas com a esquerda, com outras lideranças. Neste momento, estamos numa luta contra o bolsonarismo e contra Doria.

Segundo o Datafolha, 54% em São Paulo não votariam num candidato indicado por Lula. O sr. hoje é esse candidato.
GB – Quantos não votariam no candidato indicado pelo Doria? Essa rejeição é maior.

É maior, mas o que diria para o eleitor que não vota em alguém indicado por Lula?
GB – Vamos fazer a análise da eleição sem enviesar números. O que as urnas mostraram é que 68% das pessoas querem mudança. Se querem falar de padrinho, a maior rejeição não é a do Lula, é a do Bolsonaro [63%] e a do Doria [60%]. A minha diferença para o Covas é que eu não escondo apoio, como ele faz com o Doria.

A campanha de Covas tenta ligar o sr. ao radicalismo. Sua coligação tem partidos que defendem, por exemplo, pautas de uma revolução socialista. Como vê esse apoio?
GB – Estamos num momento tão sombrio no país que lutar por direitos básicos é tachado como radical. Se você quer saber como alguém vai governar, olha o seu programa, é dele que eu vou falar.

Uma crítica feita a seu plano de governo é que ele é amplo demais, promete de tudo, e há dúvidas sobre a capacidade de execução, com o programa de renda básica, concursos públicos.
GB – Um time de economistas qualificados se debruçou sobre cada tema. O programa que fizemos para em pé, tem consistência, diz o que vai fazer, quanto vai custar e de onde vai sair. O custo das principais propostas está em torno de R$ 29 bilhões.
O problema aí é sobretudo de prioridades. O que eu não vou fazer é gastar R$ 100 milhões em uma reforma do [Vale] do Anhangabaú enquanto tem gente morando no meio de rato na beira de um córrego na favela do Vietnã.

O sr. disse ao jornal O Estado de S. Paulo que, para zerar o déficit da Previdência, tem que fazer mais concursos e ter mais pessoas contribuindo. Mas o gasto do governo para pagar essas pessoas aumenta.
GB – O que quis dizer é que o argumento da Previdência não pode ser usado para não fazer concurso público. Se tem mais gente se aposentando e menos gente contribuindo, é óbvio que isso interfere no cálculo contábil.
É evidente que não acho que contratar servidor é a solução da Previdência. Debate de rede social vira meme. A pergunta foi feita num contexto de debate sobre concursos.
Eu vou fazer concursos. Aliás, vou começar chamando os concursados que não foram chamados até hoje. O governo do Doria e do Covas terceirizou funções em que tinha gente concursada. Isso é conta básica: se tem mais gente contribuindo para o regime [municipal] de Previdência, entra mais dinheiro. Os terceirizados contribuem para o INSS, para o regime geral.

O sr. fala em diálogo e participação popular para aprovar projetos numa Câmara em que tem minoria. Como vai negociar?
GB – Democracia não é só conversar com quem se concorda. Não sou como o Bolsonaro. É óbvio que vou dialogar com os vereadores. O que não topo fazer é trocar voto na Câmara por loteamento de subprefeitura, que é o que o governo do PSDB faz.

Erundina [quando prefeita] não conseguiu realizar tudo o que propôs.
GB – Ela não conseguiu realizar tudo, mas conseguiu fazer muita coisa, mesmo tendo minoria na Câmara.

Aumento do ISS dos bancos, uma proposta do sr., passa na Câmara sem uma contrapartida?
GB – Se a sociedade se conscientizar de que isso é importante para a cidade, é difícil os vereadores, simplesmente por um lobby ou um grupo de interesse, barrarem, porque esses mesmos vereadores vão precisar do voto da população daqui a quatro anos.

Na cadeira de prefeito, como vai lidar com demandas de empreiteiras e demandas do próprio MTST?
GB – Vou dialogar com a sociedade como um todo. Sendo eleito, vou ser o prefeito da cidade de São Paulo.

O sr. vai fazer vista grossa para protestos com atos de vandalismo e para ocupações em área de preservação? Isso vai aumentar no seu governo?
GB – Não sou pessoa das vistas grossas para nada. Ocupação acontece por falta de política habitacional e de resposta dos governos. Uma das primeiras coisas que vou fazer, e isso é um compromisso de vida, é apresentar um plano de produção habitacional e começar a efetivá-lo. É a melhor forma de não ter ocupações.

E os atos de vandalismo?
GB – As coisas descambam para isso quando não tem diálogo. Vou receber e dialogar com todos os setores da sociedade.

Esse movimento que o sr. faz é comparado ao de Lula para se eleger em 2002, a Carta aos Brasileiros, a fase “paz e amor”. Aceita essa comparação?
GB – São momentos diferentes. As pessoas às vezes se surpreendem com meu tom porque não me conheciam. Ou me conheciam pela ótica do preconceito, das fake news. Quando descobre que eu não vou invadir a casa de ninguém, a pessoa se surpreende.

O sr. destaca o tempo igual na TV como uma arma. Uma semana é tempo suficiente?
GB – Acredito que dá, as pessoas estão muito ligadas na eleição. O eleitor votou pela mudança. O Covas é o candidato da continuidade, ele é sócio do Doria nesse projeto. As pessoas não querem isso. A cidade está abandonada.

Sobre a segunda onda de Covid-19, Covas diz que não há dados que a confirmem. Como vê isso?
GB – Não se pode negar a realidade. O que tenho recebido de dados é que tem havido um número considerável de internações. O prefeito querer minimizar isso para ter mais chances de ganhar…

Acha que estão adiando a confirmação da segunda onda para depois da eleição?
GB – Não sei como ficou isso, mas vi que a divulgação de dados tinha passado para 30 de novembro. Não sei se mantiveram a decisão [o governo diz que pode antecipar a mudança do Plano SP se for necessário]. Um dia depois da eleição?

RAIO-X
Guilherme Boulos, 38
É formado em filosofia e mestre em psiquiatria pela USP. Coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), foi candidato a presidente em 2018 pelo PSOL, quando recebeu 617 mil votos e ficou em 10º lugar.