CORONAVÍRUS

Covid-19 avança entre jovens e risco de contágio dentro de casa cresce

A festa acontecia numa rua fechada da Zona Norte do Rio. Em meio à aglomeração,…

A festa acontecia numa rua fechada da Zona Norte do Rio. Em meio à aglomeração, entre um copo de cerveja e outro, o designer Rafael (nome fictício), de 23 anos, aproveitava a companhia de amigos. Não demorou para a conta chegar. No fim de novembro, o rapaz começou a sentir cansaço, dores de cabeça, febre e, depois, perdeu o olfato e o paladar.

Era Covid-19, que logo também faria sua família adoecer, reproduzindo um fenômeno observado por profissionais que atuam no combate ao coronavírus: neste novo avanço da pandemia pelo país, o perfil dos infectados e até dos internados está mais jovem. E muitos deles têm levado o vírus para dentro de casa.

— Passei Covid para minha mãe e meu irmão. O sentimento de culpa bateu forte. Algumas escolhas podem sacrificar muito mais do que alguns meses de vida — diz Rafael, que, por vezes, se pegava ofegante de ansiedade, receoso com a saúde de sua mãe. — Ela teve cansaço e febre. Meu irmão, de 27, ficou pior e chegou a desmaiar. Foi horrível.

Apesar de um retardo no registro de informações nos bancos de dados, esse “rejuvenescimento” da doença já aparece nos números, segundo especialistas, como a ponta de um iceberg, num momento em que circulam novas variantes do coronavírus.

O GLOBO analisou cerca de 26 milhões de casos leves a moderados de Síndrome Gripal divulgados pelo Ministério da Saúde até terça-feira passada. E, mesmo ainda sem a base de março, verificou que, em 11 estados, entre eles o Rio, cresceu a proporção de pessoas de 20 a 39 anos com suspeita do coronavírus.

Aglomeração de alto risco

O maior aumento ocorreu em Pernambuco, onde, em 2020, a faixa etária representava 45% dos casos, contra 57% este ano. Já no Rio, a variação foi de 39,6% para 42%.

— Temos tratado e, inclusive, enterrado pacientes muito mais jovens. Está se contaminando quem está aglomerando — diz a pneumologista Margareth Dalcomo, da Fiocruz, ressaltando que a doença “mudou de lugar”. — Ela entrou nas nossas casas. Idosos que não tinham saído à rua têm ficado doentes. Como? Alguém levou (o vírus).

No caso de Rafael, ele admite que costumava sair nos fins de semana para aliviar o estresse do dia a dia. Agora, consciente, mudou de hábitos, e só vai ao trabalho e à academia, sempre de máscara.

— As pessoas precisam se preservar mais. Acredito que a pandemia é reversível. Ainda vamos poder viver do jeito que gostamos — disse.

Em outra família na Zona Norte, o avô de Guilherme, de 21 anos, e Arthur, de 17 (nomes fictícios), passa a maior parte do dia na cadeira de rodas. Para onde vai, carrega um aparelho portátil de oxigênio. É pelo cateter nasal que, desde 12 de março, o ar chega aos pulmões do idoso de 70 anos, que enfrenta as sequelas de 23 dias internado com Covid .

A tormenta começou quando os netos voltaram de uma viagem ao Nordeste, em janeiro. Um dos rapazes se sentiu mal, e a avó deles, de 67 anos, adoeceu. Nem Guilherme nem Arthur sabe quem pegou o vírus primeiro, mas o avô deles, que é hipertenso e diabético, teve sintomas e foi internado em estado grave.

— Meu vô quase foi entubado. Imagina isso. As pessoas têm que levar a sério o que está acontecendo. Têm que ficar em casa, proteger quem a gente ama — diz Guilherme.

— Fiquei com a vida do meu avô nas mãos. A culpa é enorme, não saberia viver com ela. A gente só entende quando fica perto de perder uma pessoa querida.

Além do risco de contaminar outras pessoas, os jovens infectados têm ficado em estado mais grave, segundo profissionais de Saúde.

— Perdemos alguns pacientes bem novos, de 21, 28 anos — diz o médico Diogo Medeiros, do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, em Acari.

Coordenadora da emergência do Hospital Rio Mar, na Barra, Mônica Guedes ressalta que, na unidade, adultos jovens, sobretudo de 30 a 45 anos, sem comorbidades, também têm sido internados com frequência, em condições delicadas:

— Muitos relatam terem participado de aglomerações, como festas ou por necessidades do trabalho. Há famílias inteiras que acabam internadas após viagens curtas à Região dos Lagos ou à Costa Verde.

No Estado do Rio, dados do Sivep-Gripe apontam, inclusive, para uma queda na idade média dos internados com Covid. Ela está este mês em 58 anos, seis anos a menos que a registrada em janeiro, e a menor desde abril de 2020. Na capital, números da prefeitura dão outras pistas sobre essa curva “rejuvenescida”.

Cenário de aglomerações e festas clandestinas, a Zona Sul divide com Barra e Jacarepaguá a liderança do número de jovens entre 20 a 39 anos infectados. Até o ano passado, a região tinha 13% de todos os casos confirmados nesta faixa etária. Em 2021, a fatia subiu para 17%, semelhante à de Barra e Jacarepaguá.

— Não acho coincidência que isso tenha ocorrido na Zona Sul, onde há bairros com tradição de aglomerações de jovens. Esse aumento mais concentrado nos deixa em alerta — afirma Raphael Guimarães, pesquisador em saúde pública da Fiocruz.

Apenas uma festa

Morador de Copacabana, Eduardo Gonçalves, de 30 anos e empresário na área de marketing, é um dos que confessam que não dispensavam uma balada. Até que contraiu a Covid:

— Com certeza, peguei numa festa. Quando você se depara com a realidade, fica assustado. Agora, estou completamente careta. É preciso dar importância ao que está acontecendo.

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