Covid-19: obrigatoriedade da vacinação divide país e pode parar no STF
A possibilidade de que a vacinação contra o coronavírus seja obrigatória causa celeuma e ameaça…
A possibilidade de que a vacinação contra o coronavírus seja obrigatória causa celeuma e ameaça dividir os brasileiros antes mesmo da aprovação do imunizante. O assunto, porém, não é novidade no país. O Programa Nacional de Imunizações, em vigor desde 1973, estabelece que o Ministério da Saúde define o calendário de vacinas, “inclusive as de caráter obrigatório”. A Lei 13.979, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em fevereiro para enfrentar a pandemia, previu vacinação compulsória, assim como exames e testes laboratoriais.
Não é incomum que a Justiça obrigue pais a vacinarem seus filhos, sob pena, inclusive, da perda de guarda prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em setembro, um casal de Gaurama (RS) foi obrigado a vacinar o filho recém-nascido, por determinação da Justiça. Em 2016, um casal formado por mãe brasileira e pai belga tentou não vacinar um bebê, sob argumento que preferia seguir o calendário da Bélgica. A Justiça determinou que o bebê fosse vacinado enquanto estivesse no Brasil.
— Ninguém vai parar um cidadão na rua e obrigar a tomar a vacina. Mas os que não se submeterem à obrigatoriedade podem responder na Justiça — afirma a advogada Thais Pinhata, mestre pela Universidade de São Paulo, com atuação em Filosofia do Direito.
Segundo Pinhata, há, em diversas leis, mecanismos que obrigam a imunização. No caso de crianças e adolescentes até 18 anos, diz ela, o ECA é taxativo ao estabelecer a obrigatoriedade.
Cadernetas nas escolas
Em 2018, o Ministério Público Federal pediu aos estados medidas para que as cadernetas de vacinação fossem verificadas nas escolas. Vários estados aderiram. No Rio, a lei é adotada desde 2013. Em São Paulo, entrou em vigor em março passado, da educação infantil ao ensino médio. Os pais que não seguirem a determinação são denunciados ao Conselho Tutelar.
Na Câmara Federal, tramita o projeto de lei 3842/2019, que pune pais ou responsáveis que se omitam ou se contraponham à vacinação de crianças e adolescentes sem justa causa. Já aprovado por várias comissões, o texto prevê detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Pinhata afirma que também os adultos, caso não queiram se vacinar, podem responder com base no Código Penal, que prevê no artigo 268 a infração de medida sanitária preventiva, com detenção de até um ano e pagamento de multa.
O advogado José Luiz Toro da Silva, professor convidado do Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra, em Portugal, lembra que a vacinação obrigatória é discutível no mundo todo, mas que o Estado pode inclusive adotar medidas restritivas de direitos.
— Não se pode aplicar vacina à força, mas é possível estabelecer restrições, como não poder participar de concurso público, ingressar em universidades estaduais e até impedir acesso a locais tutelados pelo Estado — diz.
Ele lembra que o Direito trabalha sob o princípio do sopesamento: qual direito é mais importante que outro.
— É uma questão controversa, tanto assim que houve a Revolta da Vacina no começo do século passado. Sou defensor da liberdade, mas creio que o Estado tem meios para forçar as pessoas a serem vacinadas — afirma o advogado Marco Antonio da Costa Sabino.
Na avaliação dele, a questão pode ser judicializada, e o Supremo Tribunal Federal ser chamado a decidir.
A advogada Cecília Mello, ex-desembargadora do Tribunal Regional Federal, diz que o Brasil sempre seguiu decisões da Organização Mundial de Saúde (OMS) e que a obrigatoriedade da vacina pode ser controlada por meio do acesso aos programas sociais do governo, como o Bolsa Família. As regras internacionais terão também de ser respeitadas.
— Se a OMS determinar um código sanitário internacional, quem não for vacinado não vai passar por portos e aeroportos — diz.