EVOLUÇÃO

CPI deve acionar STF sobre crime de prevaricação de Bolsonaro, diz Randolfe

Miranda e o irmão acusam o presidente de ter ignorado denúncias relacionadas ao imunizante

Miranda e o irmão acusam o presidente de ter ignorado denúncias relacionadas ao imunizante (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)

O vice-presidente da CPI da Covid, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse ontem que há elementos de que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) cometeu crime de prevaricação e que a direção da comissão irá analisar a possibilidade de comunicar o STF (Supremo Tribunal Federal).

A declaração foi dada após a sessão em que foram ouvidos o deputado Luis Miranda (DEM-DF) e o irmão dele, Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde. O parlamentar afirmou que o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), foi o nome que Bolsonaro relacionou às supostas irregularidades na compra da vacina Covaxin.

Miranda e o irmão acusam o presidente de ter ignorado denúncias relacionadas ao imunizante.

“Estão dados todos os elementos do crime de prevaricação, conforme dispõe o Código Penal. Nós estaremos propondo, a direção da CPI irá analisar a possibilidade de comunicar o Supremo Tribunal Federal a ocorrência desse crime para as devidas observâncias do que está disposto no artigo 86 da Constituição”, afirmou o vice-presidente da CPI.

Segundo o Código Penal brasileiro, o crime de prevaricação ocorre quando um funcionário público “retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

Ou seja, nesse caso, seria uma suposta não comunicação de uma eventual irregularidade para outras autoridades investigarem. O Código Penal prevê pena de três meses a um ano de prisão e multa.

“Hoje (ontem) foram apresentados aqui todos os elementos de um crime cometido por sua Excelência, o presidente da República. O senhor presidente da República recebeu a comunicação de um fato criminoso, não tomou a devida providência para instaurar inquérito, não tomou a devida providência para deter o continuado delito”, disse Randolfe.

Para Wallace Corbo, professor de Direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas) do Rio de Janeiro, o presidente pode responder por crimes comuns por conta do caso.

Senadores da cúpula da CPI da Covid disseram que há evidências de um “crime gravíssimo” por parte do governo na negociação da vacina.

O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), disse que a situação é muito grave. “Essa pessoa [Barros] que é citada pelo presidente [Bolsonaro] é líder do governo dele na Câmara”, afirmou. “Nos estranha ele ter falado até aqueles impropérios e não ter tomado nenhuma providência”.

Segundo o relato de Miranda à CPI, ao ser avisado por ele e pelo irmão de irregularidades no processo de aquisição da Covaxin, Bolsonaro teria dito que o “rolo seria coisa do…”, sem citar o nome de Barros, que foi confirmado por ele mais tarde.

Miranda afirmou após insistência da senadora Simone Tebet (MDB-MS) que Barros era o deputado que ele havia citado anteriormente. Ao longo do depoimento, Miranda disse 12 vezes “não se lembrar” do nome do líder do governo, que teria sido citado por Bolsonaro.

“Eu não me sinto pressionado pra falar. Eu queria ter dito desde o primeiro momento, mas é porque vocês não sabem o que eu vou passar por apontar um presidente da República que todo mundo defende como uma pessoa correta, honesta, que sabe que tem algo errado. Ele sabe o nome, ele sabe quem é. Ele não faz nada por medo da pressão que ele pode levar do outro lado. Que presidente é esse que tem medo de pressão de quem está fazendo o errado? De quem desvia dinheiro público? As pessoas estão morrendo pela porra desse covid”, disse o deputado.

Ricardo Barros negou a participação em esquema ilícito. “Não participei de nenhuma negociação em relação à compra das vacinas Covaxin. Não sou esse parlamentar citado. A investigação provará isso”, escreveu ele no Twitter.

O presidente confirmou na quinta-feira (24) ter se encontrado em março com o deputado Luis Miranda, mas negou as suspeitas levantadas pelo parlamentar e disse que “quem buscou armar isso daí vai se dar mal”. “Não gastamos um centavo com a Covaxin”, disse ele na ocasião. Ontem, o mandatário afirmou que a PF (Polícia Federal) vai abrir inquérito para investigar o caso.

De fato, o governo ainda não pagou pela compra da Covaxin, mas assinou um contrato de compra e o valor da aquisição — R$ 1,6 bilhão — já foi empenhado pelo Ministério da Saúde. Isso quer dizer que este valor já foi reservado para a compra. A nota do empenho está pública no Portal da Transparência do governo federal.

Suspeitas no contrato com a Covaxin

O Brasil contratou 20 milhões de doses da Covaxin a US$ 15 cada. É o maior valor unitário negociado pelo governo. A vacina da Pfizer, por exemplo, que usa uma tecnologia mais avançada que a Covaxin, foi comprada pelo Brasil por US$ 10 e US$ 12 a dose. Já a CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan, custou menos de US$ 6 a dose.

A compra da Covaxin também é a única que foi feita por meio de intermediários, e não diretamente com o fabricante da vacina. O contrato foi assinado entre o governo brasileiro e a Precisa Medicamentos, que pertence à Global Gestão em Saúde e ao empresário Francisco Emerson Maximiano —que, por sua vez, também é sócio da Global.

A Global Gestão em Saúde é investigada por outro contrato firmado com o Ministério da Saúde, na gestão do então ministro Ricardo Barros (2016-2018). A compra da Covaxin foi beneficiada por uma emenda de Barros na medida provisória que liberou importação de vacinas não aprovadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

A assinatura do contrato para compra da Covaxin foi rápida. Em 12 de janeiro, o laboratório indiano firmou parceria com a empresa brasileira. Em 25 de fevereiro, o contrato já estava assinado —antes mesmo da aprovação do imunizante indiano pela Anvisa.

Além disso, as notas fiscais apresentadas pela Precisa Medicamentos ao Ministério da Saúde estão no nome de uma terceira empresa, a Madison Biotech, com sede em Singapura. Documentos acessados pelo UOL mostram que a Madison Biotech tem ligações com o laboratório indiano fabricante da Covaxin.