Racismo

Crianças negras são agredidas ao tentar vender doces em restaurante na Paraíba

O agressor seria o dono do estabelecimento e ele foi preso em flagrante pela PM

Duas crianças negras que estavam vendendo doces dentro do restaurante Malibu, no centro de Campina Grande (PB), foram agredidas a tapas e expulsas do local na tarde desta segunda-feira (21). O agressor seria o dono do estabelecimento e ele foi preso em flagrante pela PM (Polícia Militar). Um menino ficou com a orelha esquerda lesionada com a agressão sofrida.

O empresário Luiz Manuel Medeiros Costa, 60, foi levado para a Central de Flagrantes de Campina Grande, prestou depoimento e foi liberado para responder em liberdade após ser feito um TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência), no qual consta o crime de lesão corporal, e de assinar um Termo de Compromisso. Segundo a Polícia Civil da Paraíba, não foi estabelecido um valor de fiança pela autoridade policial de plantão.

Um vídeo feito por testemunhas mostra um dos meninos com a orelha deformada e relatando as agressões. Nas imagens, o menino está chorando e passando a mão na orelha, bastante assustado. “Por que ele não faz isso com um adulto?”, indaga a outra criança.

Enquanto isso, um homem filmou as duas crianças que estão sentadas na vitrine de uma loja, sendo assistidas por testemunhas que questionam indignadas o ocorrido. “O menino aqui foi lá vender a balinha dele no restaurante Malibu e o dono simplesmente meteu a mão no pé do ouvido dele, olha só. Isso é o que? Já pensou se fosse um menino branco, filho de madame, estava nessa situação?”, questiona um homem que gravou vídeo logo após as crianças serem expulsas do restaurante.

O menino que teve a orelha lesionada passou por exame de corpo de delito no IPC (Instituto de Polícia Científica), e, depois levado para a Central de Flagrantes, onde foi entregue ao pai. A Polícia Civil informou que “como não houve lesões graves, para a polícia só precisou o corpo de delito no IPC”.

A Polícia Civil informou que o caso será transferido para a Delegacia da Infância e Juventude, que investigará se houve outros supostos crimes cometidos pelo empresário contra os dois meninos.

Advogado diz que caso pode ser enquadrado como tortura

O advogado criminal Gustavo Pontinelle analisou as imagens, ao tomar conhecimento do caso, e disse que o crime de tortura pode ser incluído na denúncia. O jurista destacou ainda que o caso infringe os artigos 5º, 13º, 15º, 16º e 17º do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

“Caso se comprove a autoria da agressão, o responsável deverá responder, a depender do entendimento do Ministério Público, pelo crime de lesão corporal ou até mesmo de tortura, que é um delito bem mais grave. Isso porque, no caso concreto, vislumbram-se claros indícios do chamado racismo estrutural. Segundo a Lei 9.455/97 artigo 1º, inciso I, alínea c, constitui crime de tortura constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental em razão de discriminação racial ou religiosa”, explica o jurista.

O advogado observa que as duas crianças estavam, no momento do ocorrido, em total situação de vulnerabilidade. “A vítima é uma criança negra, pobre, que foi destratada e agredida de forma torpe, humilhante e covarde. Será que se fosse uma criança branca de olhos claros, teria tido o mesmo tratamento? Na minha compreensão, com a devida vênia a quem pensa de forma diversa, embasado no entendimento da existência de racismo estrutural, estamos diante de um caso no qual o crime de tortura se enquadra perfeitamente”, completa Pontinelle.

A reportagem entrou em contato com o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), seccional Campina Grande, Jairo de Oliveira Souza, e ele disse que tomou conhecimento do caso por meio da reportagem, mas informou que amanhã levará o caso à comissão de Direitos Humanos.

O UOL tentou contato com Luiz Manuel Medeiros Costa, na noite de hoje, mas não obteve retorno. A reportagem telefonou para o número do restaurante Malibu, mas as ligações não foram atendidas. A reportagem também procurou o empresário através de suas redes sociais, mas não houve resposta.

Após a repercussão do caso, as redes sociais do restaurante Malibu foram apagadas e o empresário mudou a foto do perfil dele no Facebook, colocando a imagem da bandeira do Brasil.