Crise da pandemia faz brasileiro comer mingau, sanduíche e usar marmita
A pandemia impactou duramente a mesa dos brasileiros no primeiro trimestre deste ano. Com a…
A pandemia impactou duramente a mesa dos brasileiros no primeiro trimestre deste ano. Com a redução de renda, há famílias que passaram não só a adotar o consumo de proteínas mais baratas (como ovos) mas também a substituir refeições por mingau. Também aumentou o consumo de marmitas e sanduíches preparados pelas próprias pessoas para reduzir os gastos com alimentação fora de casa.
As informações constam do novo estudo “Consumer Insights”, feito pela Kantar, empresa especialista em dados e consultoria, obtido com exclusividade pelo UOL.
De acordo com a pesquisa, o mingau está entre os pratos mais consumidos nas classes sociais mais baixas (CDE): seu consumo aumentou 8 pontos percentuais no jantar; 3,9 pontos no lanche da manhã e 2,8 pontos nas ceias no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2020.
Auxílio menor e desemprego maior
“O auxílio emergencial trouxe um certo respiro para as famílias. No início da pandemia, as classes mais baixas conseguiam comprar determinado produto que não estava na despensa. No começo de 2021, a gente vê um agravamento da crise e vê as famílias não conseguindo manter o consumo. Dentro desse cenário, o mingau tem um papel forte para classes mais baixas na tentativa de preservar a alimentação, principalmente de crianças.”
Mais marmitas e lanches frios
O consumo de marmitas aumentou 32,6% nas classes D e E, 31% na classe C e 1,3% nas classes A e B. Sanduíches preparados com frios também cresceram.
Segundo a pesquisa, essas mudanças de hábito ocorrem em função da redução da renda, impactada pelo desemprego, inflação e redução do auxílio emergencial.
As pessoas têm uma preocupação maior com o desembolso e até com a contaminação dos alimentos, diz Morais. Ou seja, é uma forma de reduzir custos, já que comer na rua é mais caro.
Pão e presunto avançam
O preparo mais em conta para o bolso fez com que o pão industrializado chegasse a mais casas da classe D e E. O pão entrou em 6,2 milhões de novos lares, crescimento de 11 pontos percentuais, nos três primeiros meses deste ano.
Neste cenário, o presunto aparece como a proteína da vez, ganhando 14,8 pontos de penetração no mesmo período – totalizando um ganho de mais de 8,4 milhões de novas casas.
A pesquisa enfatiza ainda a queda do consumo de carne. Com a alta no preço de bifes e filés, as classes D e E migraram para a salsicha; as classes A e B para a carne de sol e a C para hambúrguer.
Situação de colapso sem precedentes
Ainda que seja comum que crises econômicas levem a mudanças no padrão de consumo, a professora de Economia do Ibmec-RJ, Vivian Almeida, lembra que o momento atual é sem precedentes.
“O que tínhamos visto até hoje são problemas econômicos que nasceram no próprio sistema econômico e ali mesmo encontravam respostas. Dessa vez não. A crise atual é em decorrência de um problema sanitário que afeta pessoas e a saúde. O que tentamos fazer agora é mitigar os efeitos dessa crise sem precedentes. Sofremos um colapso de investimento em capital humano e há incertezas sobre o futuro.”
Menos restaurante, mais delivery
A pesquisa mostra ainda que, no primeiro trimestre deste ano, o delivery se consolidou entre as classes A e B. O delivery cresceu fortemente durante todo ano passado, só que o crescimento desacelerou um pouco entre o final do ano e o primeiro trimestre de 2021.
A pesquisa analisou o consumo individual das classes neste serviço de entrega e viu que o consumo aumentou 1,2% nas classes A e B e retraiu 15,8% nas classes mais baixas.
“Acredito que a classe CDE teve que fazer escolhas nesse momento de menor renda e preços mais altos. O delivery acabou sendo um ‘luxo’ conveniente para essas classes em momentos específicos, mas que não se sustentou, como observamos na classe AB”, avaliou o gerente da Kantar.
O estudo destaca ainda que 62% dos gastos com alimentação e bebidas não alcoólicas ocorreu dentro do lar e apenas 38% fora de casa. Neste cenário, Almeida avalia que é importante analisar também como os períodos de fechamento e abertura do comércio impactaram o consumo dentro e fora de casa.
Cai a compra de materiais de limpeza
Outro mercado que encolheu no início deste ano foi o de produtos de limpeza – a única exceção é a esponja sintética. “Comendo mais em casa, acabamos lavando mais a louça”, afirmou Morais.
Para ele, a redução da compra está associada ao aumento dos preços, que chegou a 12%. Segundo ele, as promoções foram relevantes para o desempenho das marcas no período e foram opções para todas as classes.
No levantamento, o uso de limpador multiuso aparece em queda para todas as classes, por se tratar de um produto mais caro. Já Almeida acrescenta que, neste caso, vale considerar a curva de aprendizado e o retorno da parcela da sociedade ao trabalho presencial.
“Há também o fato de as pessoas não estarem mais estocando produtos em casa e se preparando para o pior cenário. Além disso, muita gente já voltou a trabalhar: menos tempo em casa, menos limpeza”, disse a professora.