Damares justifica nota antivacina infantil para combater ‘confusão social’
A ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) afirmou nesta segunda-feira (28) que sua pasta…
A ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) afirmou nesta segunda-feira (28) que sua pasta emitiu uma nota técnica contra a obrigatoriedade da vacinação de crianças contra a Covid-19 por haver um clima de “confusão social” e um temor entre os menores de idade de irem viver em abrigos. As falas ocorreram durante sessão da Comissão de Direitos Humanos do Senado.
Ela foi convocada para explicar a polêmica nota e a disponibilização de um disque-denúncia para receber acusações de “discriminação” de cidadãos e pais que optaram por não se vacinarem ou vacinarem seus filhos contra a Covid-19.
Damares negou que o Disque 100 tivesse o intuito de receber denúncias. Também justificou que a nota técnica foi emitida para garantir as liberdades individuais de quem optasse por não se vacinar ou imunizar seus filhos.
A ministra afirmou que a posição da sua pasta foi tomada somente após manifestação do Ministério da Saúde nesse sentido. Sem dar maiores explicações, externou um ambiente caótico e de grande apreensão na sociedade, com pais temendo perderem as guardas de seus filhos.
“Alguns pais que diziam que não queriam vacinar. A televisão dizia tanto: ‘Você vai perder a guarda da criança. Você vai perder’. As crianças começaram a ficar em pavor, achando que iriam morar em abrigo, porque pai tinha dito que ela não seria vacinada”, afirmou a ministra.
“E isso chega para o nosso ministério, e eu sou ministra da criança. Nós não nos envolvemos, em momento algum, na questão da vacina, mas, quando vimos horror e medo nas crianças, aí dissemos: ‘Para tudo. Agora vamos ter que entrar, porque alguém tem que falar pelas crianças agora’. E aí emitimos uma nota técnica, já depois da decisão do ministro da Saúde, dizendo: nós concordamos com a decisão do Ministro da Saúde de que os pais não são obrigados a vacinar as crianças”, completou.
Após a sessão, a ministra foi questionada de onde tirou a informação de que as crianças estariam em pânico. Respondeu que ouviu esses relatos ao entrar em contato com o povo, nas vezes em que foi à igreja.
“As famílias ligam, o ministério é da Família. As famílias ligam. Disque 100 recebem informações das famílias. Eu ando, gente eu estou rouca porque eu ando o Brasil inteiro, eu falo com famílias. Crianças [estão] com medo de serem tiradas de seus pais. Porque ditos especialistas diziam ‘se não vacinar, vai perder a guarda’. Criança ouve televisão, gente, por favor. Cuidado com o que vocês falam, não causem mais pânico nas crianças”, afirmou Damares.
“Eu vou à igreja, ok? Eu vou numa igreja, com duas mil pessoas, as famílias vem falar comigo ‘meus filhos estão com medo’. Eu ouço. Criança não vai para jornal denunciar isso. Eu não estou inventando, pelo amor de Deus. As crianças estavam com medo e eu precisava proteger essas crianças. Chega de pavor. Discutam vacinas longe de crianças, medidas protetivas longe de crianças. Vamos fazer crianças sorrir e se divertir no Brasil”, completou.
Reportagem de 27 de janeiro mostrou que o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos publicou uma nota técnica na qual a pasta defende que a decisão do Ministério da Saúde contra a obrigatoriedade da imunização para esse público.
No documento, a pasta coloca o Disque 100, o principal canal do governo para denúncias de violações dos direitos humanos, à disposição de pessoas antivacinas que passem por “discriminação”.
A nota técnica foi concluída no dia 19 de janeiro. É assinada por três secretários e um diretor da pasta. A ministra Damares Alves endossou o documento e o encaminhou a outros ministérios a partir do dia 21.
Damares inicialmente buscou minimizar a importância da nota, afirmando que não se tratava de uma portaria ou de uma regra normativa. Tratava-se apenas da posição da pasta a respeito da vacina contra a Covid-19 para crianças e adolescentes.
Embora o texto da nota afirme textualmente que o serviço Disque 100 está disponibilizado para receber denúncias, em uma nota que trata especificamente da não-obrigatoriedade da imunização.
A ministra argumentou que a nota técnica foi direcionada para outros ministérios e que sua pasta ainda aguardava outras orientações. Damares ainda acusou a imprensa de desvirtuar o conteúdo da nota – sem em nenhum momento dar explicações mais detalhadas sobre a nota e seu conteúdo.
“A nota técnica foi construída e endereçada a autoridades, e, em nenhum momento, está se dizendo, na nota técnica, que nós vamos receber ligação de quem não quer se vacinar. Quem falou da nota não leu a nota”, afirmou.
Damares disse que o Disque 100 era destinado para ouvir todo tipo de denúncias de ataques às liberdades individuais durante a pandemia, citando como exemplo acusações de fura-fila. Afirmou que o serviço foi importante durante todo o tempo em que o país se viu assolado pelo novo coronavírus. Disse que uma das ligações que mais a tocou foi a de uma idosa que disse ter sido estuprada por um eletrodoméstico – sem dar detalhes de como o caso foi solucionado.
“Quando a gente viu a notícia, nós vimos o que poderia acontecer. Nós reforçamos, pedimos para os atendentes terem paciência, porque iria ter um fluxo muito grande. Nós tivemos alguns parlamentares que gravaram vídeos, gente incentivando a ligar lá, mas não tinha nenhum fluxo interno para a gente receber qualquer ligação falando contra ou a favor de vacina. O Disque 100 recebe denúncias de violação de todos os tipos de direitos humanos. Mas interpretaram como queriam”, afirmou.
A nota técnica foi questionada no Supremo Tribunal Federal, que emitiu uma decisão contra o ministério. A própria Damares disse que atualmente o Disque 100 mantém uma mensagem informando que, por conta de decisão judicial, eles não podem atender demandas relacionadas a vacinas.
Damares também foi questionada pelo presidente da comissão, senador Humberto Costa (PT-PE), sobre a sua visita, ao lado do ministro Marcelo Queiroga (Saúde), a uma adolescente que teve uma parada cardíaca após ser imunizada. O caso foi utilizado por bolsonaristas para criticar a aplicação das vacinas contra a Covid-19 em menores de idade.
A titular da pasta afirmou que apenas queria “dar um abraço” na adolescente. E que buscou dar tranquilidade para a população, em particular para outras crianças que tinham o medo de morrerem por terem sido vacinados.
“Fui como ministra da Família, fui com o ministro abraçar a família e dizer: ‘Acalme. Vai ficar tudo bem’. E a menina estava bem. Eles queriam um abraço do Estado, e essa é a minha missão como ministra da Família. E fui ver a princesa, a princesa estava bem. Quando eu cheguei lá, e os conselheiros tutelares viram que eu estava com a menina, a mensagem da minha ida para abraçar aquela menina teve o efeito exatamente que eu queria que foi as outras crianças vacinadas da cidade fazerem: ‘Ufa, eu não vou passar mal!'”, afirmou.
Em um dos momentos mais tensos da sessão, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) questionou a ministra se ela sabia a definição de direitos humanos. Na sequência, o parlamentar, que é homossexual, começou a citar várias declarações preconceituosas do presidente Jair Bolsonaro (PL), contra gays e mulheres, e em defesa da tortura.
Antes da sessão, Damares mais uma vez afirmou que vai deixar a pasta até o fim do mês, para se candidatar nas próximas eleições. No entanto, afirmou que ainda não está definido em qual estado vai concorrer e para qual cargo.