Decreto de Bolsonaro abre caminho para privatização do SUS; entenda
Presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Pigatto, diz que "continuará defendendo a vida, o SUS e a democracia"
Um decreto publicado na última terça-feira (27) no Diário Oficial autoriza a equipe econômica a preparar modelo de privatização para unidades básicas de saúde (UBS). A medida incluiu a política de fomento ao setor de atenção primária à saúde no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Presidência da República.
O decreto prevê a “elaboração de estudos de alternativas de parcerias com a iniciativa privada para a construção, a modernização e a operação de Unidades Básicas de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.” A medida foi vista com desconfiança por alguns gestores locais, que enxergaram na medida uma tendência de privatização das unidades.
O texto afirma que, inicialmente, a medida permitirá a estruturação de projetos pilotos, cuja seleção será estabelecida em ato da Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos do Ministério da Economia. O GLOBO questionou o Ministério da Economia sobre a medida e a pasta confirmou que a medida pretende fomentar privatização no setor:
“O objetivo é permitir a construção de um arranjo institucional para a estruturação de projetos de parceria com a iniciativa privada voltada aos entes federados. Nesse sentido, o PPI trabalhará junto ao Ministério da Saúde e ao BNDES na definição de diretrizes para a elaboração deste tipo de projeto, para, posteriormente, selecionar entes federados (municípios ou consórcios públicos) que demonstrem interesse nessas parcerias no setor de saúde”, disse.
O Ministério da Economia argumenta que “o principal ponto do projeto é encontrar soluções para a quantidade significativa de Unidades Básicas de Saúde inconclusas ou que não estão em operação no país”. A pasta assegurou ainda que a condução da política pública continuará a cargo do Ministério da Saúde. A saúde também foi consultada pela reportagem, mas ainda não respondeu.
— Estamos trabalhando de mãos dadas com o Ministério da Saúde e o BNDES para ampliar as parcerias no setor de saúde. Sabemos do desafio de levar mais infraestrutura e serviços de qualidade a diversos municípios do Brasil e acreditamos que o modelo de PPPs será chave para alcançarmos os resultados que a população tanto merece— , destacou a Secretária Especial do PPI, Martha Seillier.
A medida foi recebida com desconfiança entre os gestores municipais e estudais. O Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) afirmou que pediu ao Ministério da Saúde uma nota explicativa sobre a medida.
Decreto ‘Estranhíssimo’
Já o presidente Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), que representa os secretários estaduais, Carlos Eduardo Lula, considerou que a medida promove uma completa mudança do modelo atual. Segundo ele, o tema será pautado na próxima reunião do conselho.
— É uma loucura ter um decreto do Ministério da Economia para falar sobre atenção primária. É muito esquisito esse modelo, porque parece ser uma PPP (parceria público-privada), mas não deixa claro. Essa PPP só tem sentidio em grandes obras e não em pequenas obras como é o caso de uma UBS. A UBS em tese não é lucrativa para gerar investimento por parte da empresa para fazer isso— analisa Lula, complementando:
— O sentido da PPP é a empresa construir porque o Estado não tem recurso para isso e ela administrar porque vai ter, em tese, um lucro durante determinado período de tempo. Óbvio que isso acontece no caso de hospitais, mas no caso de UBS não faz nenhum sentido, porque a obra é pequena, precisa de poucos recursos, e , segundo, não gera receita. É um negócio esquisito e sem a participação do Ministério da Saúde, o que deixa ainda mais esquisito. É estranhíssimo.
Em um vídeo publicado na página do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no YouTube, o presidente do órgão, Fernando Pigatto, classifica a medida do presidente como “arbitrária”.
— Estamos encaminhando para nossa Câmara Técnica de Atenção Básica fazer uma avaliação mais aprofundada e tomarmos medidas cabíveis neste momento que precisamos é fortalecer o Sistema Único de Saúde, esse sistema que tem salvado vidas. Estamos nos posicionando perante toda população brasileira como sempre nos posicionamos: contra qualquer tipo de privatização, retirada de direitos e fragilização do SUS. Continuaremos defendendo a vida, o SUS e a democracia— disse o presidente do CNS.