Em depoimento à Folha, a bailarina Ruth Rachou, 92, conta como foi a experiência de ter ficado isolada em casa durante a pandemia e quais foram as sequelas que a Covid deixou em seu corpo.
Peguei Covid depois de ter tomado duas doses de vacina e sem sair da minha casa. Na minha condição, de uma senhora de 92 anos, não saio muito mesmo.
As coisas mais importantes da minha vida foram dançar e ensinar a dançar. Tive por muito tempo uma escola. Desde que me aposentei, faço dança falando com outras pessoas, conversando.
A pandemia me fechou também essa porta. Fiquei completamente sem rumo, não podia fazer nada. De uma hora para outra, tive que ir para a casa de um filho. Isso tira a gente de nosso ambiente. Não deu certo.
Voltei para casa, mas parece que acabou uma coisa em minha vida. Era como se tivessem me dito: ‘Jogue fora tudo o que você tinha e fique apenas com o resto’.
Eu gostaria de trabalhar ainda, de coreografar. Tenho ideias e tudo. Sonho com a dança, em ter um grupo.
Mas é só um sonho, não consigo. Primeiro, por causa da situação que estamos vivendo. Segundo, porque eu já não sou mais nenhuma jovem que pode correr de lá para cá.
Agora, essa dificuldade de encontrar as pessoas é muito triste para mim, fiquei isolada da minha praia. De vez em quando, consigo falar pela internet, e é muito gostoso.
Das meninas que trabalharam comigo, uma está em Berlim, uma na Dinamarca, outra em alguma cidade do Brasil. Conseguir falar com pessoas que não via havia mais de 20 anos é impressionante.
Sei que algumas pessoas da dança estão preocupadas comigo e têm procurado informações com o meu filho. Isso é bom para eu saber que elas gostam de mim.
Às vezes, você se sente muito sozinha e sem o amor de ninguém. Quer dizer, não estou tão sozinha. Tenho o meu filho e minha irmã. Os dois sempre vêm me visitar.
Depois de ter a doença, fiquei sem conseguir andar. Estou começando, aos poucos, a readquirir essa possibilidade. Perdi minhas pernas, e isso foi muito traumático para mim. Pensei: ‘Meu Deus, vou ter que andar de cadeira de rodas, não é possível, depois de eu ter dançado uma vida inteira’.
Ainda bem que estou conseguindo fortalecer de novo as pernas. Faço algumas aulas, exercícios de dança, mas ainda estou muito limitada.