CÂMARA

Deputado bolsonarista empurra petista em comissão que debate maconha medicinal

Confusão começou após petista Paulo Teixeira rejeitar requerimento de aliados de Bolsonaro para adiar discussão

Confusão na Câmara dos Deputados, em discussão sobre uso medicinal da maconha (Foto: Reprodução)

A comissão especial que debate a comercialização de medicamentos à base de cânabisregistrou nesta terça-feira (18) um princípio de tumulto após o deputado bolsonarista Diego Garcia (Podemos-PR) empurrar o presidente do colegiado, o petista Paulo Teixeira (SP), e um computador.

A reunião da comissão especial tinha como objetivo discutir o parecer do projeto que trata do tema, relatado pelo deputado Luciano Ducci (PSB-PR).

A confusão começou depois que Teixeira realizou votação simbólica em um requerimento de adiamento de discussão apresentado por Garcia, vice-líder do bloco de países de apoio ao governo de Jair Bolsonaro na Câmara.

Deputados bolsonaristas, então, passaram a reivindicar que a votação fosse nominal, ou seja, que cada deputado votasse no sistema remoto adotado pela Câmara. Teixeira rejeitou a possibilidade, dando início a uma discussão entre o presidente da comissão e o grupo de aliados do presidente Jair Bolsonaro.

Teixeira pedia que Garcia e deputados bolsonaristas o ouvissem. “Não é no grito que nós vamos ganhar a discussão”, afirmou. “O deputado Evair [Vieira de Melo, PP-ES] disse que uma kombi aqui pediu a verificação e foi o último momento do meu encaminhamento final”, afirmou. Garcia, então, se levantou, elevou a voz e pediu a votação nominal, afirmando que a reunião não continuaria.

“Vai continuar”, afirmou Teixeira. Garcia se aproximou da bancada, empurrou o laptop do petista e deu um empurrão no próprio presidente da comissão na sequência. Teixeira continuou afirmando que a reunião continuaria, enquanto o deputado bolsonarista pedia respeito.

“Você me deu um tapa”, rebateu o presidente da comissão especial. “Você me deu um tapa no peito. Covarde.” Enquanto isso, bolsonaristas gritavam que os defensores do projeto queriam liberar a maconha no Brasil. Garcia foi retirado da bancada por aliados e voltou a seu lugar.

“Deputado, eu quero aqui dizer o seguinte: esse deputado chegou aqui na frente e me deu um murro no peito. Me deu um tapa no meu peito”, disse Teixeira. Garcia, ao fundo, gritou que não deu murro no petista.

Teixeira pediu a filmagem, manteve a rejeição do requerimento e deu início à discussão do projeto.

A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) defendeu o texto e afirmou que regulamentar os medicamentos à base de cânabis é questão humanitária e de saúde pública. “Mas a base bolsonarista tenta tratar o tema como ‘pauta de costumes’ para inflar os apoiadores mais fanáticos do presidente”, criticou. “A agressão à mesa diretora da comissão só mostra o quanto lidam com o tema de maneira irracional, irresponsável e obscurantista. O deputado precisa ser punido pelo conselho de ética.​”

O tumulto ocorre em meio a ataques de Bolsonaro ao projeto. Na segunda-feira (17), o presidente afirmou que barraria o projeto que libera o cultivo de maconha por empresas para fabricação de medicamentos, caso seja aprovado.

“Isso é com o Parlamento. Se chegar a mim, eu veto”, disse Bolsonaro ao ser questionado por um apoiador no cercado armado no jardim do Palácio da Alvorada. A interação foi transmitida por um canal bolsonarista.

Bolsonaro, então, fez, em tom de ironia, a comparação entre a maconha medicinal e a cloroquina, remédio sobre o qual, assim como a hidroxicloroquina e a ivermectina, não há comprovação científica de que funcione para tratar ou prevenir a Covid-19.

“Engraçado, maconha pode, cloroquina não pode”, afirmou Bolsonaro, para quem “a esquerda sempre paga uma oportunidade para querer liberar as drogas”.

Diferentemente da cloroquina e da ivermectina no tratamento e prevenção da Covid-19, citadas pelo presidente e apoiadores, existem evidências científicas para o uso da maconha medicinal para algumas doenças. Uma revisão de estudos feita pelas Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos em 2017 aponta que há evidências conclusivas de que a cânabis in natura e canabinoides reduzem sintomas em pacientes com dor crônica.

A mesma revisão aponta a efetividade de canabinoides para tratar sintomas de esclerose múltipla e náuseas e vômitos associados à quimioterapia. Também há estudos mostrando eficácia do canabidiol para alguns tipos de epilepsias graves. Existe também um medicamento à base de maconha aprovado no Brasil para tratamento dos sintomas de esclerose múltipla, o Mevatyl.

Na avaliação da BRCANN (Associação Brasileira das Indústrias de canabinoides), quem faz oposição ao projeto usa narrativa falsa de que o texto legaliza a maconha no Brasil.

“Há um grande esforço do relator para evitar esse tipo de confusão sobre as intenções do projeto e de eventuais desvios que pudessem acontecer da produção medicinal”, afirmou Tarso Araujo, diretor executivo da BRCANN.

“O projeto não permite o consumo da planta in natura nem para fins medicinais. É só para empresa, para uso medicinal, com rastreabilidade”, disse.

“Qualquer empresa que conseguisse desviar correria um risco de perder a licença. Nenhum desvio de droga para mercado recreativo justificaria esse tipo de iniciativa de uma empresa séria que está investindo nesse tipo de medicamentos”, criticou.

Araujo disse não apoiar incondicionalmente o projeto de lei, mas ser favorável ao debate de maneira aprofundada, civilizada e baseada em evidências. “Nós temos ressalvas a pontos específicos. O texto não é perfeito, mas apoiamos a iniciativa dos deputados de levar esse assunto no Congresso”, ressaltou.