A dislexia é um transtorno que pode interferir na compreensão da leitura, na escrita e que pode até se estender para outros campos, como a percepção espacial e na discalculia, que afeta a capacidade do indivíduo de compreender e utilizar números. Apenas no Brasil existem mais de dois milhões de pacientes de dislexia que vivem uma luta diária não apenas no campo do aprendizado, mas mesmo em tarefas banais do dia-a-dia. Com isto em mente, cientistas e educadores do mundo todo pesquisam constantemente novos meios de facilitar a vida dos disléxicos, buscando tornar seu cotidiano mais prático, reduzindo e controlando os obstáculos.
Um jovem pesquisador goiano está dando um grande passo exatamente nessa direção. Estudante da graduação em Ciências da Computação na Universidade Federal de Goiás (UFG) em Jataí, o aluno Giancarlo Fleuri acaba de voltar de uma viagem aos Estados Unidos. Lá, ele apresentou seu projeto de realidade virtual voltado ao aprendizado de pessoas disléxicas na IEEE Virtual Reality, uma das maiores conferências sobre realidade virtual do mundo, na Carolina do Sul (EUA).
O projeto de Giancarlo é seu trabalho de conclusão de curso orientado pelo professor doutor Marcos Wagner de Souza Ribeiro. A proposta é um jogo imersivo que, ao inserir o disléxico no ambiente de RV, o ajude a focar inteiramente no que ele está fazendo, removendo as distrações ao redor. O jovem viajou de última hora para o congresso com o apoio da Fundação de Desenvolvimento de Tecnópolis (Funtec), uma entidade privada em defesa da inovação em Goiás, que pagou os custos da viagem e da Wooba, empresa que pagou a inscrição.
Em entrevista, Giancarlo contou que começou a pesquisa no início de 2015 em que passou a maior parte do tempo lendo e estudando sobre os transtornos de dislexia e discalculia e como a realidade virtual poderia ajudar no tratamento. “A principal pergunta era como a realidade virtual poderia ajudar os portadores de ambos os distúrbios. Foi através da pesquisa científica que encontramos um fator relacionado a distração destes indivíduos e a necessidade de estímulos multisensoriais durante a resolução de exercícios tradicionais, que são feitos no papel e caneta. A necessidade por concentração e estimulos multisensoriais é facilmente suprida pela utilização de um ambiente virtual imersivo em 360 graus utilizando os conceitos de realidade virtual. Além de estimular diversos sentidos durante a utilização, a realidade virtual permite controle total sobre o ambiente virtual, seu conteúdo visual e sonoro, pois uma vez dentro do ‘mundo virtual’ o usuário fica totalmente imerso em outro ambiente que é criado pelo desenvolvedor”, contou ele.
Para ele, a experiência na IEEE foi extremamente positiva. Lá, ele apresentou o projeto diariamente e conheceu empresas e pesquisadores interessados do mundo todo: “Foi sem dúvida a melhor experiência acadêmica e profissional que já tive. Todos que usei como referência no meu TCC estavam lá, dispostos a ajudar no que fosse possível, principalmente na questão dos feedbacks e dicas de quais caminhos seguir e evitar”. Ele disse que no início a pesquisa estava cercada de dúvidas por propor algo tão diferente: “O projeto, inicialmente questionado por conter uma abordagem ousada a um problema delicado, foi extremamente bem recebido, principalmente por aqueles que já trabalharam ou trabalham com RV voltada para a área da saúde e educação. A principal preocupação era a justificativa para a utilização da realidade virtual como solução e isso ficou muito claro pra todos que viram as apresentações ou visitaram nosso mini stand durante o evento”. Ele ficou muito entusiasmado com o resultado, principalmente porque acredita ter garantido o futuro da pesquisa, já que recebeu “diversas propostas e convites foram feitos, incluindo para outros eventos no Brasil, Estados Unidos e até no Japão!”, conta.
O protótipo em si é muito simples e foi criado usando o Google Cardboard, os óculos de RV da Google feito de papelão que custa no máximo R$ 40 e pode ser feito em casa. Fora o custo dos óculos, ele espera que os jogos imersivos sejam gratuitos: “queremos democratizar o acesso a tecnologia e popularizar a utilização da realidade virtual para propósitos sérios”. Ele também já estipula os próximos passos: “O protótipo está em fase de validação da interface e em breve será encaminhado para profissionais da área de psicopedagogia para avaliação e readaptação se necessário. Feito isso passamos para os testes em pacientes e por fim, a publicação no mercado”.
Ele acredita que a RV possui possibilidades fantásticas que devem e precisam ser exploradas pela academia de forma a promover o avanço científico e critica a forma como muitas pesquisas nunca saem das faculdades ou do campo teórico: “A realidade virtual vai mudar a forma com que utilizamos tecnologia, tenho certeza absoluta disso. O principal motivo de estudar RV na academia foi mesmo pela paixão pela tecnologia e pelo que ela possibilita. Além disso, precisamos manter o ecossistema acadêmico atualizado, por dentro do que tá acontecendo no mundo real. Muitas vezes o que se desenvolve na academia fica por lá mesmo, em uma pilha de folhas da monografia, sem real aplicação. A Realidade Virtual abre um leque de possibilidades no que se refere a suas infinitas vantagens e possibilidades de utilização. Pesquisadores e profissionais já a utilizam para treinamento, adestramento, reabilitação, tratamento de fobias (que também usa Realidade Aumentada) e muito mais”.
O nome comercial do projeto é ArqTech e o objetivo de Giancarlo é, assim que se graduar, tentar conciliar seu tempo entre investir na ArqTech como empresa e dar continuidade à pesquisa e à sua carreira acadêmica. Ele inclusive já foi aprovado em grandes universidades, como a USP e a UFSCAR. Ele conclui dizendo que educação e tecnologia são suas paixões e falou de sua motivação: “Tenho parentes próximos que sofrem com os sintomas, mas nunca foram diagnosticados. Por muitas vezes as pessoas seguem para a vida adulta e isso compromete e muito a qualidade de vida do disléxico/discalculico. Além disso, sempre tive paixão pelo ensino e todo mundo que já ensinou algo sabe que ambos distúrbios são mais presentes do que imagina. É necessário estudar mais e mais sobre estes pacientes, entender como eles aprendem e assimilam este aprendizado”.