Brasília

Dino libera pagamento de emendas parlamentares e impõe ressalvas

Ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, definiu critérios para liberação de cada modalidade de emenda

Ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (Foto: Agência Brasil)
Ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (Foto: Agência Brasil)

(Folhapress) O ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), liberou nesta segunda-feira (2) a retomada do pagamento das emendas parlamentares e fez duras críticas ao modelo, afirmando que “jamais houve tamanho desarranjo institucional com tanto dinheiro público, em tão poucos anos”.

O ministro afirmou que relatórios feitos pela CGU (Controladoria-Geral da União) deixam claro que os requisitos constitucionais de transparência e rastreabilidade estão sendo descumpridos, em “engrenagem flagrantemente inconstitucional”, com bilhões de reais “se multiplicando em escala geométrica”.

“Os relatórios que ora constituem prova nos autos confirmam que a elaboração e a execução de parcela relevante do orçamento público ocorrem com a naturalização do desvio de balizas normativas, a partir de uma engrenagem flagrantemente inconstitucional, montada especialmente a partir do ano de 2019, quando os bilhões de reais alocados pelo Congresso Nacional foram se multiplicando em escala geométrica, simultaneamente a descontroles e opacidades, quadro que se estende à Legislatura atual.”

“É precoce armar —e nem se constitui objeto específico destas ações (processos estruturais)— que houve ou há crimes em razão da esdrúxula situação constatada. Mas é de clareza solar que jamais houve tamanho desarranjo institucional com tanto dinheiro público, em tão poucos anos. Com efeito, somadas as emendas parlamentares entre 2019 e 2024, chegamos ao montante pago de R$ 186,3 bilhões de reais”, completou.

Na decisão de 65 páginas, o ministro também escreve que, diante deste cenário, não é excessivo apontar que há quatro modelos no mundo: o presidencialismo, o parlamentarismo, o semipresidencialismo e o do “Brasil, com um sistema de governo absolutamente singular no concerto das nações”.

Dino decidiu ainda que o monitoramento das emendas, objeto da ação que tramita sob sua relatoria, se estenderá ao exercício financeiro de 2025, “com a realização periódica de audiências de contextualização e conciliação, bem como novas auditorias, quando necessárias”.

De acordo com ele, essa providência visa “o encerramento definitivo das práticas denominadas ‘orçamento secreto'”. A decisão desta segunda foi encaminhada pelo ministro para referendo do plenário, “sem prejuízo dos seus efeitos imediatos”.

O magistrado fez duras observações sobre a resposta do Congresso relação às emendas de comissão —que foram turbinadas com o fim das emendas de relator, em 2022. Na semana passado, Câmara e Senado reafirmaram que não seria possível identificar os padrinhos das indicações porque as decisões foram “colegiadas”.

“Cogitando ser verdadeira a reiterada armação das advocacias do Senado e da Câmara de que é impossível recompor plenamente o itinerário percorrido para a execução pretérita de parte expressiva das emendas parlamentares, temos a gravíssima situação em que bilhões de reais do Orçamento da nação tiveram origem e destino incertos e não sabidos”, escreveu.

O pagamento das emendas parlamentares havia sido suspenso por Dino em 1º agosto, em ação movida pelo PSOL, até que houvesse “prévia e total rastreabilidade” dos recursos. Na ocasião, o bloqueio foi confirmado pelo plenário do Supremo, por unanimidade.

Para tentar destravar o dinheiro, o Congresso aprovou projeto de lei —sancionado sem vetos pelo presidente Lula (PT)— que muda parte das regras de distribuição a partir do ano que vem. Segundo a Consultoria de Orçamentos do Senado, porém, a lei avança pouco em relação às exigências do tribunal.

Na decisão desta segunda, o ministro estabeleceu regras para a retomada de cada uma das emendas (individuais, “Pix”, de bancada estadual e de comissão). As emendas de relator dos anos anteriores e as de comissão, por exemplo, só devem ser pagas pelo Executivo se houver a indicação do nome do padrinho.

Dino também condicionou à apresentação de um plano de trabalho o pagamento das emendas “Pix” —um tipo de emenda (chamado tecnicamente de transferência especial) à disposição de cada um dos congressistas que caía direto no caixa das prefeituras sem qualquer indicação de como o dinheiro deveria ser usado.

Veja as regras elencadas por Dino para liberação

Emendas de relator (de anos anteriores) e de comissão: só devem ser liberadas se houver a identificação dos parlamentares. Cabe ao Executivo aferir a transparência e liberar caso a caso.
Emendas “Pix”: só devem ser liberadas de agora em diante com plano de trabalho prévio e em contas bancárias específicas indicadas pelas prefeituras (como definido pela nova lei). Já as emendas anteriores a 2025 só devem ser pagas se o deputado ou senador apresentar o plano de trabalho em até 60 dias.
Emendas de bancada: o ministro diz ser “fundamental que não haja individualização da emenda” e determina que haja auditoria em outubro de 2025 para acompanhar o processo.
Emendas para ONGs: só podem ser liberadas com a devida publicação nos sites das entidades, tanto as futuras como as que já foram indicadas.
Emendas para a saúde: precisam de indicações técnicas do gestor federal, com necessidade de aprovação prévia nas comissões bipartite e tripartite do SUS.

O que são as emendas

As emendas parlamentares são um instrumento criado pela Constituição de 1988 para aumentar a participação do Legislativo no processo orçamentário. Politicamente, elas são uma forma com que congressistas conseguem enviar dinheiro para suas bases eleitorais e, com isso, ampliar capital político.

Elas são divididas em emendas individuais (que todo deputado e senador têm direito), as de bancada (parlamentares de cada estado definem prioridades para a região) e as de comissão (definida por integrantes dos colegiados do Congresso Nacional).

Em 2024, por exemplo, cada deputado tem direito a cerca de R$ 38 milhões em emendas individuais. Já entre os senadores esse valor é de aproximadamente R$ 70 milhões. São verbas que têm execução obrigatória, e os deputados e senadores colocam esse dinheiro onde eles quiserem.

O problema é que a prioridade da maioria dos congressistas é atender seus redutos eleitorais, e não as localidades com maiores necessidades no país, gerando assim grandes desigualdades.