CPI DA COVID

Diretor do Butantan diz que ações de Bolsonaro impediram entrega de 100 milhões de vacinas

Em depoimento à CPI da Covid, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou que…

Em depoimento à CPI da Covid, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou que as falas do presidente Jair Bolsonaro resultaram na paralisação por três meses do processo de compra da vacina Coronavac,

Covas afirmou que seria possível ter entregue 100 milhões de doses até maio deste ano do imunizante desenvolvido em parceria com o laboratório chinês Sinovac, se não houvesse interrupção nas negociações.

Em outra frente, o diretor do Butantan também disse que manifestações contra a China do presidente Jair Bolsonaro, seus familiares e outros integrantes do governo, acarretam dificuldades para obter insumos para as vacinas. Dimas Covas presta nesta quinta-feira (27) depoimento na CPI da Covid.

O diretor do Instituto Butantan afirmou que a primeira proposta de venda de vacinas para o Ministério da Saúde aconteceu em julho, assim como houve um pedido de recursos para a construção de uma fábrica de vacinas e para a realização de testes clínicos para o imunizante. Nenhuma dessas comunicações recebeu resposta positiva.

Covas também contrariou a fala do ex-ministro Eduardo Pazuello à comissão, de que não recebeu ordens do presidente Jair Bolsonaro para não comprar a Coronavac e que falas do presidente não impactaram a negociação.

O diretor afirmou que havia a expectativa de assinatura do contrato em outubro, mas as declarações de Bolsonaro foram seguidas da suspensão por três meses das negociações.

“Todas essas negociações que ocorriam com troca de equipes técnicas, com troca de documentos, a partir desse momento elas foram suspensas. Quer dizer, houve, no dia 19, um dia antes da reunião com o ministro, um documento do ministério que era um compromisso de incorporação, mas, após, esse compromisso ficou em suspenso e, de fato, só foi concretizado em 7 de janeiro”, afirmou.

O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), então, divulgou áudios com a fala de Bolsonaro no dia 20, nos quais afirma: “já mandei cancelar, quem manda sou eu. Não abro mão da minha autoridade”. Em outro áudio reproduzido, um dia depois, Pazuello afirma “é simples assim: um manda e outro obedece”.

Covas afirmou que existe, sim, relação entre os fatos. “Infelizmente, essas conversações não prosseguiram, porque houve, sim, aí, uma manifestação do presidente da República, naquele momento, dizendo que a vacina não seria, de fato, incorporada, não haveria o progresso desse processo”, disse.

“Óbvio que isso causa, sem dúvida nenhuma, uma frustração da nossa parte, mas, enfim, faz parte. E voltamos ao Butantan e continuamos o projeto, quer dizer, isso não foi motivo para nós interrompermos o desenvolvimento da vacina, mas aí já com algumas dificuldades, ou seja, a inexistência de um contrato com o ministério, que é o nosso único cliente, colocava, de fato, uma incerteza em termos de financiamento”, completou.

O diretor do Butantan afirma que inicialmente esse contrato em outubro iria prever a aquisição de 100 milhões de doses da vacina, mas em seguida o Ministério da Saúde decidiu reduzir a quantia para 46 milhões. Esse segundo contrato seria suspenso, só sendo reativado em janeiro.

“Se tivéssemos o contrato com quantitativo maior, de 100 milhões de doses, o cronograma seria outro, poderia ter sido cumprido até maio”, disse.

O governo fechou contrato com o Butantan em janeiro. As mesmas 100 milhões de doses agora estão previstas para setembro, mas o cronograma pode sofrer alteração por causa das dificuldades para obter insumos.

Covas afirmou que seria possível que 10 milhões de doses fossem entregues em dezembro de 2020.

Vale ressaltar, no entanto, que a autorização para uso emergencial só foi concedida em 17 de janeiro pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Sobre a dificuldade em receber insumos, o diretor do Butantan afirmou que as declarações do presidente e membros do seu governo atrapalham as tratativas para agilizar a liberação pelo governo chinês.

“Não precisa dizer que tem problema de relacionamento. Isso é senso comum. Quer dizer, cada declaração que ocorre aqui no Brasil repercute na imprensa da China. As pessoas da China têm grande orgulho da contribuição que a China dá ao mundo neste momento. Então, obviamente isso se reflete nas dificuldades burocráticas, que eram normalmente resolvidas em 15 dias, e hoje demoram mais de mês para serem resolvidas”, afirmou.

“O embaixador da China deixou isto muito claro naquele momento: que posições que são antagônicas, que desmerecem a China, causam, obviamente, inconformismo do lado chinês”, completou.

Dimas Covas afirmou que já é possível ver resultados da distensão que veio com a saída do chanceler Ernesto Araújo, substituído por Carlos França. Teria sido notável uma “evolução na postura” do governo.

“Olha, do meu ponto de vista, foi a primeira vez em que eu tive uma reunião, a que eu fui convidado, estando presentes o ministro das Relações Exteriores, o ministro da Saúde e o ministro Paulo Guedes. O fato de eu ter sido convidado e, da mesma forma, o fato de a Presidente da Fiocruz ter sido convidada, acho, mostram uma evolução nessa postura”, afirmou.

Um dos momentos da sessão se deu após o senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) reproduzir trecho de um documentário, com um áudio vazado do governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

“”Ele [grupo chinês] está falando com um cliente de R$ 2,5 bilhões! Só tem um cara que tá se expondo aqui: sou eu. Fundamentalmente, sou eu. Eu tô no primeiro plano dessa história. Publicamente. Ainda sofrendo ataque do Bolsonaro, bolsominion, bolso não sei do quê”, afirma Doria, no áudio.

Rogério apontou que o vídeo seria uma prova do uso político que Doria faz da vacina. O presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), saiu em defesa do governador paulista.

Aziz o cortou para dizer que a fala foi uma demonstração de um agente político que estava em busca de vacinas. Marcos Rogerio ficou irritado e pediu a Aziz que controlasse sua “sanha” e depois o presidente também foi acusado de atuar como “advogado de São Paulo”.

Em outro momento, após pergunta da senadora Simone Tebet (MDB-MS), Covas disse à que uma terceira dose da Coronavac está em estudo pelo instituto.

“Eu não tenho chamado de terceira [dose], mas de [dose de] reforço. Isso será necessário a todas as vacinas. Não só em relação à própria duração da imunidade, mas em relação às variantes”, disse Covas.

Segundo ele, a resposta de anticorpos induzidos pela vacina às novas variantes, como a África do Sul e à da Índia, é inferior à cepa original.

“Portanto uma dose adicional já com as variantes está sendo pesquisada, inclusive por Butantan, que já incorpora essa variante chamada P1 nos estudos em andamento, inclusive com a Butanvac, prevendo que ela seja produzida”, contou.

O diretor do instituto ainda afirmou, em resposta a pergunta da senadora Simone Tebet (MDB-MS), que a segunda dose da Coronavac pode ser tomada em tempo superior a 28 dias, período recomendado, que ainda surtirá a produção de anticorpos. O importante, reforçou Covas, é tomar as duas doses.