Radar

Disque-denúncia mapeia problemas na saúde

Site recebe reclamações de pacientes e funcionários de unidades de saúde de todo o país, e gera estatísticas sobre as principais deficiências do sistema para cobrar melhorias

Mau atendimento, falta de remédios e médicos, discriminação, longas esperas por cirurgias ou transferências, reajustes abusivos e negativas de planos de saúde. Esses e outros problemas agora estão sendo mapeados em uma plataforma colaborativa batizada de Radar da Saúde.

O site, no ar há cerca de um mês, funciona como um “disque-denúncia” do setor, recebendo reclamações de pacientes e funcionários de unidades públicas e privadas de todo o país. A ideia é gerar estatísticas sobre as principais deficiências do sistema de saúde e cobrar melhorias.

O usuário também pode indicar se precisa ou não de assessoria jurídica, serviço que a ONG Movimento Chega de Descaso, que criou a plataforma, já presta há cinco anos gratuitamente, junto de auxílio social e psicológico.

“A população está muito descrente no Estado e nas ouvidorias privadas e acaba não denunciando, então parece que está tudo bem, quando na verdade não está. É muito importante ter uma base de dados pública”, afirma o farmacêutico Leandro Farias, idealizador do projeto.

As informações ainda serão úteis, diz ele, para a imprensa e para que a ONG cobre políticas públicas em audiências e mesas de debate no Congresso Nacional, por exemplo. “É mais efetivo mostrar dados do que fatos isolados”, ressalta.

No site Radar da Saúde, a pessoa deve assinalar qual é o tipo de denúncia, em qual unidade ocorreu, se possui plano privado e se já fez a reclamação em outros órgãos. Em seguida, pode contar sua história e adicionar opcionalmente fotos e informações pessoais.

Um dos usuários relatou, por exemplo, que seu familiar de 80 anos estava há mais de três dias sedado e entubado em uma UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) no Rio de Janeiro sem conseguir transferência, apesar de uma liminar da Justiça.

Outro, também anônimo, contou que teve que levar sua mãe com uma crise de dor abdominal para a cidade de São Paulo porque um hospital privado de Amparo (SP) não possuía aparelhos para exames nem médicos disponíveis naquele dia.

“No hospital do convênio dela, fizeram um exame e detectaram um apêndice muito infeccionado, ele estava quase rompendo. Foi internada e passou por cirurgia de emergência. Duas semanas internada. Em Amparo ela provavelmente teria morrido de apendicite”, escreveu.

Foi por ter passado por uma situação parecida que Leandro Farias decidiu criar o Movimento Chega de Descaso. Em 2014, ele viu sua mulher, Ana Carolina Cassino, morrer aos 23 anos de sepse (infecção generalizada) após esperar 28 horas por uma cirurgia de apendicite.

Ele conta que, mesmo relatando fortes dores a ponto de não conseguir andar nem ficar de pé, ela recebeu a classificação de “cor amarela” (não grave) na unidade de pronto-atendimento da Unimed, na Barra da Tijuca, na zona oeste carioca.

Esperou uma hora para ser atendida, mais quatro horas para a apendicite aguda ser confirmada por exames e outras cinco horas e meia para a transferência para um hospital. Como não havia médico, porém, a cirurgia foi adiada para a tarde do dia seguinte.

Pouco antes da operação, ela teve uma queda brusca de pressão e desmaiou. Voltou após reanimação, mas piorou com a cirurgia. Saiu de lá entubada e direto para o CTI (Centro de Terapia Intensiva). Morreu naquela madrugada, por choque séptico.

Desde então ele toca o projeto, recebendo a ajuda de cerca de 15 voluntários de múltiplas profissões, como advogados, administradores e médicos. Todos moram na cidade do Rio, por isso quem pede ajuda em outros locais do país é atendido apenas virtualmente.

O projeto se sustenta por doações e editais -que não foram suficientes para a ONG manter o aluguel de uma sede. A criação do site Radar da Saúde, por exemplo, foi financiado pela organização filantrópica BrazilFoundation.

Hoje, Leandro diz que ainda aguarda o julgamento de uma ação criminal contra os médicos envolvidos no caso de sua mulher, mas já teve decisões favoráveis contra o cirurgião no Cremerj (Conselho Regional de Medicina) e contra o plano na esfera cível e na ANS (Agência Nacional de Saúde). Algumas ainda aguardam recursos.