‘Disse que eu estava mais para Miss Paraíba’, diz jovem que acusa Brennand de estupro
Depois de guardar por um ano a acusação ao empresário Thiago Brennand de estupro, Stefanie Cohen lembra de violência e quer encorajar mais vítimas a falarem de seus traumas
Nem mesmo a maquiagem impecável conseguiu disfarçar o semblante apático da estudante de medicina Stefanie Cohen, de 30 anos, que diz estar no “no modo automático” e medicada com calmantes desde que decidiu denunciar o abuso sexual que sofreu. O acusado, o empresário Thiago Brennand, ficou conhecido por agredir a atriz e empresária Helena Gomes em uma academia de luxo em São Paulo. De lá para cá, pelo menos 15 vítimas o denunciaram formalmente por diversos crimes, entre eles estupro. Na manhã de ontem, depois de conceder uma entrevista para o Fantástico, Stefanie recebeu o jornal O Globo na casa onde está escondida, com medo de retaliação. Amparada pela mãe e pelo cachorro da raça Pug, ela afirmou que teve a vida destruída, mas que fará tudo para encorajar outras vítimas a virem a público. A defesa de Brennand disse não ter nada a declarar.
Como você conheceu Thiago?
Num restaurante em São Paulo, em outubro passado. Estava comemorando com as amigas (minha vitória), o Miss São Paulo. Ele chegou supercordial. Dois dias depois, me procurou no Instagram e começamos a conversar, me chamou para jantar e foi me buscar em casa. A primeira coisa que me chamou atenção foi a forma como ele dirigia, com imprudência. Quando chegamos ao restaurante, todo mundo o conhecia. Parecia tudo orquestrado. Ele falava alto, passava uma imagem intimidadora. Puxou minha cadeira para perto dele para me beijar. Eu não gosto de ficar beijando em público, então mostrei que não queria. Ele parecia autoritário, mas até então me tratava bem. Até que ele pediu as tais caipirinhas e eu tomei uma. Me lembro de ter ficado tonta e fui em direção ao banheiro, cambaleando. Me escorei na parede. Ele veio atrás de mim, como se soubesse meu estado. Me pegou pela cintura e me levou embora. Não era como estar bêbada, era uma perda total de controle. Minhas pernas estavam fracas. Até então, não fazia ideia de para onde ia. Ele me levou para um hotel.
Você acredita que foi dopada?
Acredito ter sido vítima do “Boa noite, Cinderela”. Mas não fiz o toxicológico.
O que aconteceu no hotel?
Não lembro direito, nem da ordem das coisas. Lembro só das piores partes. Tudo era muito violento, sem preservativo… Eu nunca tinha feito relação anal, e ele me forçou. Lembro de pedir: “não, por favor, não”. Ele dizia: “amorzinho, agora você é minha namorada”. E me estuprou.
E depois que você retomou a consciência?
No dia seguinte, acordei sozinha no quarto. Quando abri a porta, tinha um segurança armado. Entrei no modo sobrevivência: “preciso escapar desta situação”. O Thiago apareceu depois. Minha estratégia foi cooperar. Pensei que, se fosse para cima dele, iria me matar. Então fingi que estava tudo bem. Ele pediu delivery e disse que a gente precisava buscar minhas coisas para ir a uma fazenda onde também levou outras vítimas. E ficou agressivo. Disse que achava estar saindo com a Miss São Paulo, mas eu estava mais para Miss Paraíba. “Vou ter de falar com meu cirurgião plástico para ver se você tem conserto”, disse.
Você tentou escapar?
Em determinado momento, ele disse que teria de sair, mas que o funcionário me levaria até em casa para pegar minhas coisas. Pensei: “pronto, esta é minha única chance”. Me lembro de entrar no carro blindado, com as iniciais dele, e ficar olhando para a janela, pensando: “será que ele está mesmo me levando para casa?”. Tentei não chorar, fingir que estava tudo normal. Quando cheguei, dei uma desculpa e pedi que ele avisasse ao Thiago que eu iria encontrá-lo depois, com meu carro. Foi assim que consegui escapar.
Por que você denunciou agora, um ano depois?
Quando ele viu que eu não ia voltar, ele me mandou um vídeo íntimo. Minutos depois. Não falou uma palavra. Minha mãe, quando soube, queria na hora denunciar para a polícia, mas eu avisei que o vídeo tinha meu rosto e eu estava nua. Ele sabia que, como miss, perderia meu título. Como médica, teria minha carreira prejudicada. Eu tinha pavor do vídeo, tinha pesadelo. Um cara que estupra uma mulher, deixa um capanga do lado de fora, que manda vídeo intimidando, o que a gente pode esperar?
Você não falou mais com ele?
Nunca respondi. Até que, recentemente, ele me mandou uma mensagem pedindo para eu depor a favor dele. Coação de testemunha. Quando ele me mandou, tive um acesso de raiva, de choro. Tive vontade de xingar, mas meu namorado me pediu para só bloqueá-lo. Descobri que a mensagem chegou no dia em que ele fugiu do país.
Como foi este último ano para você?
Vivi um processo de nojo do meu próprio corpo, de não conseguir me olhar no espelho. Mas também de culpa, porque eu pensava: “esse cara está fazendo com outras o que fez comigo. E eu estou quieta?”. Fiquei tão machucada depois do estupro que tive até hemorroida. E passar pomada e ter de mexer na região acabou com meu psicológico. Quis me matar, parei de acreditar nos homens, tranquei a faculdade. Comecei a tomar um antipsicótico. Não dá para dizer que sou a mesma Stefanie. E estava em um momento tão feliz…
Ainda tem medo?
Depois que vi o depoimento da Helena (modelo que denunciou ter sido agredida por Brennand), tomei coragem. Eu sou miss. Sei que muita gente acha isso fútil, mas carrego a responsabilidade de ser representante de mulheres. Apresentei todas as minhas provas. Laudos psiquiátrico e ginecológico, exames anti-HIV, sífilis, print em que tentava me coagir. Não me arrependo.