Ditadura cogitou aumento das punições à imprensa após AI-5
Além das prisões, Gama e Silva queria poderes para apreender exemplares e suspender veículos de comunicação de imediato caso divulgassem nomes de "organizações proscritas" ou mencionassem nomes e declarações de políticos cassados pelo AI-5
Em 17 de dezembro de 1968, quatro dias depois do AI-5, o então ministro da Justiça Luís Antônio Gama e Silva (1913-1979) pressionou a cúpula do governo a ser ainda mais dura com os jornalistas e veículos de comunicação.
Ele dirigiu ofício ao então presidente, o marechal Costa e Silva (1899-1969; foto), sugerindo que a Lei de Imprensa, criada no ano anterior e só derrubada em 2009, fosse alterada para permitir a prisão de jornalistas, por até dois anos, que divulgassem “fatos verdadeiros truncados ou deturpados” e mesmo que não provocassem as consequências previstas na lei, como “a perturbação da ordem pública ou alarme social”.
Além das prisões, Gama e Silva queria poderes para apreender exemplares e suspender veículos de comunicação de imediato caso divulgassem nomes de “organizações proscritas” ou mencionassem nomes e declarações de políticos cassados pelo AI-5.
Pretendia ainda proibir “a reprodução de manchetes, imagens ou fotografias de atos de violência ou de crimes” e a publicação de textos na imprensa sem a identificação completa do autor, numa época em que era comum a publicação de reportagens sem assinatura dos repórteres.
“O momento atual justifica a aplicação dessas medidas, tornando-se, data vênia, desnecessária sua justificativa, principalmente no que se refere à censura aos meios de comunicação, especialmente a imprensa”, escreveu Gama e Silva ao presidente.
Seis meses depois, em novo ofício, Gama e Silva insistiu nas mudanças, mencionando genericamente “abusos” cometidos pelos meios de comunicação “contra o interesse nacional, a paz pública, a moral e os bons costumes”.
Os documentos na época classificados como secretos e hoje sob a guarda do Arquivo Nacional, em Brasília, mostram que as propostas de Gama e Silva receberam em parte a simpatia do CSN (Conselho de Segurança Nacional). Formado por militares de diversos órgãos, como o centro de espionagem SNI (Serviço Nacional de Informações), o CSN era um órgão de assessoramento direto do presidente.
O secretário-geral do CSN, o general Jayme Portella (1911-1984), concordou com a questão do banimento dos nomes dos cassados, tachando-o de “oportuno e conveniente”, e de entidades proscritas, em especial as que representavam estudantes. “Evitarão constantes citações de UNE, Ubes etc e promoções pessoais dos políticos cassados”.
As investidas da ditadura contra os jornalistas a partir do AI-5 se tornaram concretas de muitas maneiras, ainda que Gama e Silva não tenha conseguido alterar a Lei de Imprensa. Num despacho ao lado dos ofícios do ministro, alguém do governo escreveu: “O Presidente se reserva a oportunidade de estudos de cada caso, em particular”.
“Foi um dia que deixou todo mundo estarrecido”, lembra Cláudio Coletti, 88, sobre a edição do AI-5, em 13 de dezembro de 1968. Durante 20 anos, de 1960 a 1980, Coletti dirigiu a sucursal da Folha de S.Paulo em Brasília.
“A gente já vivia uma situação difícil e aí o negócio ‘pretejou’ mais ainda. O acesso às informações começou a ficar mais difícil. As autoridades recebiam os jornalistas com muita restrição”, disse Coletti.
Na época, segundo ele, um repórter da sucursal, D’Alembert Jaccoud (1934-2009), foi preso por militares numa rua de Brasília e interrogado por uma semana numa unidade do Exército, e outro teve cassada a credencial do Ministério da Aeronáutica.
Gama e Silva, o ministro que queria aprofundar o controle sobre a mídia, fazia “uma pressão tremenda” sobre o jornal, segundo Coletti, mas não obteve resultados. “A Folha naquele tempo era assim uma linha meio ‘contrarrevolução’, né. Mas muito pouco podia fazer. A repressão era violenta.”
Segundo Coletti, o SNI infiltrou um repórter na sucursal para fazer relatórios a respeito da real autoria de reportagens -uma das medidas reclamadas por Gama e Silva era a identificação dos textos. De acordo com Coletti, o espião foi descoberto a partir de apuração interna sobre a origem de carta anônima que “denunciava” a sucursal e acabou demitido sumariamente.
O jornalista José Antonio Severo, 75, era repórter na sede da revista Veja em São Paulo quando veio o AI-5. A revista havia sido criada pela editora Abril em setembro, só quatro meses antes do ato.
“Na imprensa, a Veja foi a primeira vítima do AI-5, eu acho. Poucos dias depois do ato, ela fez uma capa com o Costa e Silva sozinho no plenário do Congresso e uns quepes militares em cima de cadeiras vazias. Os militares mandaram apreender toda a edição.
Muita coisa já tinha circulado, não conseguiram pegar tudo”, disse.
Segundo Severo, os efeitos imediatos do AI-5 foram o aumento da tortura e da repressão à imprensa alternativa, na qual trabalhavam muitos jornalistas da imprensa tradicional. Ele atuava no Bondinho e no Ex-Jornal, de São Paulo, que logo depois pararam de circular.
“No início, o AI-5 pegou muito em cima da área policial. Eles prendiam as pessoas e não tinha mais habeas corpus. A polícia baixava o pau. Mas era coisa lá nos porões do governo. Depois é que veio a censura mesmo. Avisavam os editores sobre o que não podia ser publicado”, disse Severo.
Muitas vezes os jornalistas ficavam sabendo das notícias quando a censura telefonava para as Redações.
“A gente terminava sabendo o que estava acontecendo pela própria censura. A censura dizia: ‘Não pode falar da guerrilha do Araguaia’. E a gente acabava sabendo que tinha uma guerrilha no Araguaia, o que ninguém tinha ideia”, disse Severo.