Do Alemão para Alemanha: jovem faz vaquinha para estudar violino na Europa
Cria de uma das maiores comunidades do Rio, Gabriel Paixão, de 18 anos, é calouro na UniRio, mas sonha ir para Europa e se tornar um renomado musicista
A música erudita tocou fundo no coração de Gabriel Paixão. Tinha apenas 10 anos quando o som suave e lúdico do violino entrou como ondas sonoras e precisas por seus ouvidos, logo que pisou no projeto “Ação Social pela Música”, em um núcleo dentro do Complexo do Alemão. Nascido e criado na favela de “Casinhas”, Gabriel de Jesus da Paixão, literalmente, se apaixonou pela arte e pelo instrumento antes nunca visto pelas vielas da comunidade. Filho de uma ex-empregada doméstica e com quatro irmãos, Gabriel vive a dura realidade de morar em uma favela carioca e precisou contar com a solidariedade para alimentar seus sonhos. Lançou uma vaquinha virtual, com R$ 20 mil de meta, para comprar o seu primeiro violino profissional. No meio desse caminho, ganhou um instrumento novo de presente.
Mesmo assim, o jovem manteve o pedido de ajuda para realizar um segundo sonho: fazer faculdade na Alemanha. Com esforço e dedicação, se destacou entre tantos meninos e meninas, teve a oportunidade de viajar para Europa, conhecer um dos berços do seu estilo musical e, aos 18 anos, passou em 1º lugar como bacharel em violino na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).
— Como consegui o instrumento, meu segundo objetivo é estudar na Alemanha, que é um dos epicentros da música erudita. Vários compositores nasceram lá. Seria um sonho fazer faculdade lá. Imagina, do Alemão para Alemanha… — almeja o jovem, que sequer saber dizer “Olá” em alemão — Não sei absolutamente nada da língua. Mas sei que ir para lá será a porta de entrada para um grande sonho: me tornar uma referência mundial no violino.
Além de poder ajudar nos estudos, toda o dinheiro arrecadado também servirá para pagar as cordas do seu violino, que precisam ser trocadas periodicamente. Um quarteto custa, em média R$ 1 mil, um valor alto e que Gabriel sequer tem condições de bancar semestralmente, que dirá mensalmente. Mas isso é essencial porque o som que sai do instrumento acaba prejudicado. O jovem também precisa comprar uma case impermeável para proteger o seu companheiro inseparável de chuva e de qualquer eventual acidente.
— Eu vivo batendo recordes, pois já fiquei mais de um ano com as mesmas cordas (risos). Mas a corda envelhece e o som fica feio. Quando você tem um bom violino, você precisa de um bom material também para mantê-lo: cordas, arco, case de proteção. Esse dinheiro vai me ajudar — afirma.
Sonho: ter próprio projeto
As metas de Gabriel não param por aí. Eternamente grato por ter conhecido a música em um projeto social, mesmo sem qualquer condição financeira, ele quer, num futuro próximo, criar vários núcleos da arte em diversas favelas do Rio. Essa é a forma que ele quer retribuir quem acreditou nele e, assim, ajudar que outros jovens alcancem o sucesso. Hoje, ele dá aula de violino para crianças e adolescente na mesma iniciativa social onde conheceu a música.
Graças ao projeto, ele nunca precisou deixar o violino de lado para trabalhar. Mas sempre foi para rua com o seu irmão mais velho, Natanael, o primeiro da família a se descobrir músico. Com 11 anos, Gabriel saía com o irmão, dois anos mais velho, e tocava para conseguir alguns trocados e mostrar o seu talento.
— Eu costumo falar que a música está conosco dentro da favela. Alguns dançam, cantam, grafitam. Quando a gente é incentivado e recebe a oportunidade de colocar a criatividade para fora, nasce uma flor. No meu caso, eu floresci para música. O projeto social me deu a oportunidade de trazer a minha criatividade, que já estava aqui dentro. Quero que outros jovens também descubram isso — diz.
Natanael, de 20 anos, foi o primeiro da família a entrar no projeto e aprendeu viola. Depois veio Gabriel e, mais tarde, o Gileard, de 13 anos, que optou pelo violoncelo. Uma família de músicos dentro do Complexo do Alemão. A mãe, Debora, de 60 anos, sempre incentivou os filhos a praticarem a música. Se não comparece aos concertos, sofre. Se orgulha dos seus meninos e torce para que tenham um futuro melhor com a profissão que escolheram. Mas isso não quer dizer que ela não sofreria com uma partida de Gabriel para Europa.
— Ela diz que entende, que estudar em outro país será bom para mim, ainda mais numa faculdade valorizada. Mas disse que vai chorar e sentir minha falta. Sou um dos pedacinhos dela — diz — Ela sabe dos meus objetivos. Quero criar mais iniciativas de ações sociais com a música. Quero um programa internacional para as crianças e poder estar incentivando elas a se descobrirem artistas intelectuais.
Encontro com inspiração brasileira
Ao passar em duas universidades federais para cursar bacherelado em violino – também passou na UFRJ -, Gabriel optou pela UniRio somente por causa de Paulo Bosisio, hoje um dos mais destacados nomes no cenário musical brasileiro. O professor de violino, que está com 70 anos e já solou com todas as orquestras importantes no país. O jovem do Alemão ainda não teve contato presencial com o seu inspirador, mas troca mensagens e vídeos pelo WhatsApp.
No primeiro elogio que recebeu, após ter sido adicionado no WhatsApp pelo próprio Bosisio, o jovem se emocionou. Como nem tudo está perfeito ainda, ele também recebeu as orientações do que precisa melhorar e aperfeiçoar o seu talento.
— Nossa, foi incrível. O professor Bosisio é renomado e incontestável. Era a oportunidade que eu tinha de estudar com um cara com vasta experiência em música, como ele tem. Antes da pandemia, não consegui ter aula presencial com ele. Ele me elogiou muito e disse o que eu precisava acertar — afirma Gabriel, antes de completar:— Aprender com um cara como ele vai ajudar muito na minha evolução. Me sinto nos trilhos e que estou caminhando onde quero chegar — diz.