Do outro lado da fila: bancários sofrem exaustão, temem se contaminar e recebem até ameaças
O pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 pelo governo federal há dias tem feito…
O pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 pelo governo federal há dias tem feito milhares de pessoas dormirem em filas diante de agências da Caixa Econômica para conseguir sacar o benefício. Mas quem está do outro lado da porta-giratória também tem seus limites testados todos os dias. Funcionários do banco relatam cansaço e medo por conta da jornada de até 14 horas diárias, da demora no recebimento de equipamentos de proteção individual (EPIs) e das ameaças de clientes.
O caixa Leonardo Lima, de 43 anos, conta que, inicialmente, o banco liberou verba para que as próprias agências comprassem máscaras e álcool em gel para os funcionários. Mas, como os itens estavam em falta no mercado, muitos colaboradores continuaram a trabalhar sem proteção.
Segundo ele, apenas no início de abril a instituição financeira mandou entregar em cada agência os EPIs e, em seguida, instalar divisórias de acrílico nos caixas. O bancário ainda reclama da extensa jornada e do pouco tempo que os empregados têm para comer:
— Temos trabalhado cerca de 14 horas por dia e tirado apenas 15 minutos para almoçar, porque não tem quem supra aquele atendimento — disse Lima. — A Caixa já tinha um quadro insuficiente de funcionários. Agora, com vários afastados, é pior.
Um gerente geral que não quis se identificar relatou estar exausto. Por ser o responsável por abrir e fechar a agência, ele chega às 6h30 e sai após as 20h. Isso porque, às 14h, todo trabalhador que está na fila recebe uma senha, e o expediente só acaba após o último atendimento.
— Não vejo mais meu filho acordado — desabafou o gerente: — Ainda tenho que participar de conferências no período de descanso para falar sobre as mudanças. Trabalho muito e, por ter um cargo de confiança, não recebo horas extras.
Filas nas agências da Caixa no Rio Foto: Agência O GloboFilas nas agências da Caixa no Rio Foto: Agência O Globo
O diretor do Sindicato dos Bancários do Rio, José Ferreira, conta que, para evitar as longas jornadas, tentou negociar com o governo e a Federação Nacional de Bancos (Fenaban) para que o pagamento fosse distribuído entre instituições privadas e públicas, sem sucesso. Outra demanda era fechar agências para desinfecção, caso um bancário fosse diagnosticadocom Covid-19:
— Isso tem sido feito. A equipe inteira entra em quarentena, e uma outra assume.
— Tivemos um volume absurdo de cadastros. Várias pessoas que não tinham o direito se inscreveram para ver se conseguiriam receber na malandragem. Isso torna ainda mais lenta a análise feita pela Dataprev (empresa de processamento de dados do governo federal). Outro problema é que o cidadão, que precisa receber de verdade, é simples e não tem acesso à internet.
Quando começou essa operação, eu trabalhava das 9h às 16h, sem parar para comer nem para ir ao banheiro. E só piorou. Foram pedindo para chegar cada vez mais cedo. Agora, tenho que chegar às 7h para tentar reduzir a fila. Percebo que a maioria das pessoas não deveria estar lá, mas está porque não consegue usar o aplicativo ou não entende como utilizá-lo. Não acho que seja um problema de comunicação. É que as pessoas não acreditam, querem ir à agência e falar com alguém.
Depois que eu explico, dizem: “Ah, bem que me falaram que era só isso”. E controlar essa fila de várias pessoas nervosas é muito complicado. E não é nossa função evitar essa aglomeração. A polícia quase nunca está no local para nos ajudar. Outro problema é juntarem a liberação do auxílio com outros pagamentos. Tenho atendido muitos casos de FGTS, por demissão. E, na maioria das vezes, não e preciso, porque se pode sacar até R$ 10 mil pelo aplicativo do FGTS, que não está com nenhum problema.
Nós estamos em uma situação muito complicada, porque quem está na fila não entende que nós, bancários, não temos culpa de o cadastro não ter sido aprovado ou da lentidão na análise. Outro dia, em uma agência aqui do Rio, invadiram a sala de atendimento com um pedaço de madeira. Também já aconteceram agressões: vi um colega ser pego pela camisa porque não liberou um pagamento para uma pessoa que estava sem documento de identificação.
Não podemos ser massacrados dessa forma. Também temos família e estamos fazendo nosso melhor para ajudar essas pessoas. Além disso, estamos com muito medo. Não sabemos se vamos pegar coronavírus hoje ou amanhã. Já perdemos colegas, e há alguns no hospital. Apesar de usarmos máscaras, a agência é um local fechado. A estafa mental é absurda.
Estamos trabalhando com um número reduzido de funcionários porque as pessoas do grupo de risco foram poupadas. Além disso, algumas pessoas ficaram doentes. Primeiro, fechavam a agência que teve algum caso de Covid-19. Agora, estão chamando os gerentes-gerais porque não ganhamos hora extra. A jornada de trabalho é exaustiva, às vezes de 12 horas. O normal era trabalharmos oito horas. Fazemos o nosso melhor, mas parece que ninguém vê isso. Chegamos a atender mil pessoas por dia na agência.
Além disso, trabalhamos com medo do vírus e da violência. Graças a Deus não aconteceu comigo, mas soube de relatos de pessoas sendo ameaçadas na fila, casos de clientes dizendo que tinham facas guardadas. Espero que, para o pagamento da segunda parcela do auxílio, as pessoas tenham entendido que não é preciso ir à agência.