Aécio/Justiça

Dodge é impedida de examinar documentos sobre conta ligada a Aécio em país europeu

No recurso, Dodge escreveu que o arquivamento "ex officio" implica "grave subversão do sistema acusatório, bem como de princípios que lhe são ligados, como os da imparcialidade, inércia e isonomia"

Uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) impede a PGR (Procuradoria Geral da República) de analisar documentos enviados pelo principado de Liechtenstein que tratam da ligação do senador Aécio Neves (PSDB-MG) com uma offshore aberta naquele paraíso fiscal.

Segundo papéis em poder da PGR, o senador é o “segundo beneficiário” da “Bogart & Taylor Foundation”, registrada em nome de sua mãe, que manteve uma conta em uma filial do LGT Bank em Zurique, na Suíça.

Na noite desta sexta-feira (3), a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, protocolou recurso no STF, um agravo regimental, no qual pede que o ministro Gilmar Mendes reconsidere a decisão que tomou no final de junho, quando arquivou “ex officio”, ou seja, sem a anuência do Ministério Público, o inquérito que tratava do senador e no qual foram anexados os documentos de Liechtenstein.

O inquérito aberto no ano passado é derivado da Operação Lava Jato e investiga declarações de dois delatores, o doleiro Alberto Youssef e o ex-senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS), que associaram Aécio ao suposto recebimento de recursos de contratos firmados entre empresas e a estatal Furnas Centrais Elétricas.

Os pagamentos seriam feitos em troca de apoio político para indicação e manutenção de pessoas em cargos em Furnas, como Dimas Toledo, que foi diretor de engenharia de 1997 a 2005.

Ao arquivar o inquérito, Mendes citou o relatório final da Polícia Federal, que disse não haver encontrado provas contra Aécio. Porém, Dodge afirmou no agravo que a PF não teve acesso ao material produzido pelo acordo de cooperação internacional.

A história da conta começa em 2007, quando a Polícia Federal apreendeu uma lista de clientes na casa do doleiro Norbert Müller, no Rio, entre os quais estava a mãe do senador, Inês Maria Neves Faria, que seria a presidente da “Taylor & Bogart”, descrita como “fundação”.

Aécio aparecia como “segundo beneficiário” da conta, que passaria a ser o controlador da firma em caso de morte de sua mãe.

Um papel dizia que a conta chegou a ter um saldo de US$ 32 mil, mas não havia outros documentos detalhados, como os extratos bancários completos.
Apenas a quebra de sigilo da conta poderia esclarecer o assunto.

A PGR chegou a arquivar a apuração sobre Aécio, mas a retomou em agosto do ano passado, depois que Delcídio fez referência à conta de Liechtenstein como possível destino de recursos no esquema de Furnas.

O novo inquérito foi aberto no STF em maio de 2016. Em agosto de 2017, o então procurador-geral Rodrigo Janot pediu assistência jurídica de Liechtenstein.

Segundo o recurso de Dodge, cinco meses depois, em janeiro, as autoridades daquele país restituíram ao Brasil o pedido da cooperação, enviando a documentação referente à “Bogart & Taylor”.

A PGR pediu que os autos fossem enviados à Justiça Federal do Rio, para continuidade da apuração.

“Os fatos supostamente criminosos são estranhos às atribuições parlamentares atuais do investigado, uma vez que ocorreram enquanto Aécio Neves exercia o cargo de deputado federal (1997-2002) e se prolongaram até sua assunção ao cargo de governador do estado de Minas Gerais (2003-2005).”
Em junho, a defesa de Aécio pediu o arquivamento do inquérito, citando o relatório da PF.

No dia seguinte, “sem que a PGR tivesse oportunidade de se manifestar sobre a pretensão de arquivamento das investigações formulada pela defesa do investigado, o inquérito foi pautado para julgamento pela 2ª turma do STF na sessão que ocorreria no dia 26 de junho”, escreveu Dodge.

A PGR pediu que o caso fosse retirado da pauta, mas Gilmar Mendes não concordou e determinou o arquivamento do inquérito.

Mendes também não aceitou o envio dos autos ao Rio, afirmando que “a investigação deveria estar concluída” e que a continuidade “representaria apenas protelar a solução, violando o direito à duração razoável do processo e à dignidade da pessoa humana”.

No recurso, Dodge escreveu que o arquivamento “ex officio” implica “grave subversão do sistema acusatório, bem como de princípios que lhe são ligados, como os da imparcialidade, inércia e isonomia”.

Dodge disse que nessa fase da investigação não cabe ao magistrado “adentrar no ‘mérito’ da investigação”, mas tão somente “obstar constrangimentos ilegais evidentes”.

Outro lado

O advogado de Aécio, Alberto Toron, afirmou em petição ao STF que os documentos de Liechtenstein foram objeto de “procedimento investigatório [que] já esmiuçou a questão e foi arquivado”.

Por isso, disse o advogado, “nada há de novo que autorize a continuidade das investigações”. Aécio já se manifestou sobre a conta no exterior.

Sua assessoria afirmou, em 2016, que o assunto foi “analisado e arquivado, em 2010, após a Justiça Federal e o MPF do Rio constatarem a inexistência de qualquer irregularidade. Não houve sequer abertura de ação penal.”

Segundo a assessoria, em 2001 a mãe do senador “cogitou vender alguns imóveis e aplicar os recursos no exterior. No entanto, o projeto foi suspenso em função da doença do marido dela”.

Conforme a assessoria, a fundação “não chegou a ser implementada”, mas foi declarada ao Imposto de Renda. Ela disse que foram feitos dois pagamentos no valor total de US$ 30 mil por “taxas e honorários”.