Agricultores e indústria revelam “ingerência” do governo federal gera desperdício e prejuízos
Por causa do bloqueio de rodovias, produtor de Palminópolis de Goiás descartou mais de 7 mil litros de leite. Faeg reitera que problema tem sido mais frequente e afeta outros setores da agricultura e pecuária
Além de impossibilitar a distribuição de combustíveis, a greve dos caminhoneiros, que ocorre desde segunda-feira (21) em protesto pelas frequentes altas nos preços de combustíveis, também está gerando prejuízos na agricultura e indústrias dependentes de matérias-primas campestres.
O Mais Goiás teve acesso a um vídeo em que o produtor rural Edilberto Marra anuncia o descarte de 7.101 litros de leite em sua propriedade em Palminópolis de Goiás. Segundo ele, o leite estragaria por falta de possibilidade de distribuição para indústrias. Na gravação, ele revela que não há outra opção, já que as estradas estão bloqueadas e as vacas devem continuar sendo ordenhadas para evitar que adoeçam, o que aumentaria o prejuízo.
De acordo com o produtor, a quantidade de leite desperdiçado deve aumentar com a continuidade da ordenha. “A quantia que jogamos fora representa um prejuízo de R$ 10 mil e daria para abastecer cidades com até 10 mil habitantes por até três dias. Daqui uma hora, por volta das 13h20, iremos jogar fora um novo volume de leite compatível com o de ontem. Faço parte de uma cooperativa que trabalha com cerca de 140 mil litros de leite por dia, os quais também podem estar sendo descartados”. Veja vídeo que mostra o leite sendo descartado:
Marra ressalta que não há como deixar de ordenhar o gado. “São animais especializados para grande produção. Se nós atrasarmos a ordenha em seis horas, cerca de 20% das vacas terão infecção nas mamas. Se deixamos por 24h sem ordenha, além de 100% ficarem doentes, 20% podem morrer nesse período. Para se ter uma ideia, temos aqui na propriedade 160 vacas, que custam cerca de R$ 6 mil cada. Esse é o tamanho da possibilidade de prejuízo”.
O problema é confirmado pelo diretor técnico da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), Edson Novaes. “Produtores jogam a produção fora porque não tem como escoar. No caso do leite, vacas precisam ser ordenhadas diariamente ou isso gera problema de saúde no rebanho, como mastite, por exemplo. Assim, se não jogar fora para desocupar os reservatórios, além do leite estragar, o prejuízo pode ser maior por causa de adoecimentos”.
Ainda sobre o leite, o presidente do Sindileite Alfredo Correia, entidade que representa a indústria, afirma que toda a cadeia produtiva está sendo afetada pela greve. “A indústria está totalmente parada nos dois sentidos. Não recebe matéria-prima e o produto processado não está saindo para venda. O prejuízo é incalculável, sendo que, em Goiás, são processados cerca de 10 milhões de litros por dia. Está deixando de gerar receita para o produtor, para o transportador, para a indústria e supermercados, além de o estado deixar de arrecadar com impostos”.
Gado, grãos e preço
Novaes explica que os bloqueios – que inclusive tem apoio da Faeg – impacta outros setores da agricultura. “Produtos perecíveis estão sendo descartados por incapacidade de distribuição, no entanto, esta é uma luta justa porque o preço dos combustíveis afeta os custos de produção e logísticas. Cerca de 8% do custo de produção das principais culturas agrícolas é proveniente do diesel. Estamos falando de soja, sorgo, milho, cana e tomate por exemplo, produtos que tem seus valores aumentados em função da política de reajustes da Petrobrás”.
A situação também está gerando alterações na Pecuária. Eurico Velasco, presidente da Associação Goiana de Nelore (AGN), raça que compõe 95% do rebanho goianiense, afirma que há dificuldade para levar animais para o abate, o que gera repercussões nos preços de mercadorias.
“Pecuaristas estão segurando o boi no pasto pelo valor baixo da arroba e também porque não conseguem entregar o gado com as estradas bloqueadas. Além disso, está começando a faltar matéria-prima para a produção de ração para o gado pelo desabastecimento de milho e soja. Isso ocorre porque somos escravos do sistema rodoviário e ainda somos vítimas da ingerência dos governos federal e estadual”.
Apoio ao movimento
Tanto o produtor Edilberto Marra, como as entidades ouvidas pelo Mais Goiás revelam apoiar o movimento iniciado pelos caminhoneiros, apesar de lamentarem as perdas. As organizações representativas ainda responsabilizam a “incompetência” e/ou “ingerência” do governo federal na administração dos combustíveis.
Para Eurico Velasco, da AGN, o País é escravo do sistema rodoviário, que segundo ele é mais rentável para a indústria automobilística. “Não exploramos hidrovias e ferrovias, isso é um erro. Além disso, se não mostrarmos o que está acontecendo, muita gente não teria noção. Sustentamos a economia, não temos culpa da ingerência estadual e federal, já que impostos dos dois âmbitos incidem fortemente no valor dos combustíveis”.
Mais comedido, Correia, do Sindileite, questiona quem irá assumir os prejuízos. “Não temos a quem acionar. É um direito dos caminhoneiros fazer a greve, mas isso não pode prejudicar outrem. Procurar culpado nessa hora é muito difícil, mas caminhoneiros tem razão em protestar porque não suportam a situação atual. O governo tem culpa por não conseguir negociar e gerenciar o problema”.
Para Novaes, o movimento também é legítimo. “A greve é justa. O transtorno é ter que parar o País porque o governo não consegue resolver o problema. É preciso mudar essa política de reajuste diário da Petrobrás e estabelecer um que dê previsibilidade ao consumidor e ao mercado, para que possamos planejar nossas atividades. Além disso, também é preciso reduzir a carga tributária, que é altíssima e gera impacto grande nos custos de produção, o que acaba por afetar a todos”.