Ajuda internacional é desafio no Haiti após terremoto que matou mais de 1.400
País, que ainda deve ser atingido por tempestade tropical, teme repetir modelo de auxílio de 2010
Em meio à rotina de vasculhar escombros, desbloquear vias e dimensionar o estrago deixado pelo terremoto de magnitude 7,2 ocorrido no sábado (14), o Haiti se debruça também sobre o papel e a efetividade de mais uma rodada de ajuda humanitária internacional.
Nesta segunda (16), a contagem oficial de mortos após o abalo subiu para 1.419, e a de feridos passou a 6.900. Cerca de 37 mil casas foram destruídas e outras 50 mil, danificadas.
O terremoto veio na esteira de crises políticas e sociais, num país que tem poucas equipes de resgate e que agora enfrenta também hospitais lotados. A população vive sob a sombra da experiência pouco exitosa que se seguiu ao terremoto de janeiro 2010, que deixou mais de 220 mil vítimas.
O volume da ajuda que a comunidade internacional se comprometeu a investir na reconstrução do país à época foi pomposo: R$ 47,3 bilhões, em valores corrigidos. Seis meses após a tragédia, apenas 2% do montante havia chegado ao Haiti.
“A ajuda que chega em geral mal passa pelo Estado [haitiano] e vai direto para ONGs ligadas ao país de origem da doação”, diz João Fernando Finazzi, professor de relações internacionais da PUC de Minas Gerais. “Há uma hierarquia que dificulta que as organizações da ponta, localizadas nos bairros, recebam esse dinheiro.”
A recuperação do desastre de 2010 foi lenta, com os desdobramentos sentidos até hoje, o que leva parte dos haitianos a descrever como um fracasso a atuação internacional para mitigar os impactos daquela tragédia.
O volume da ajuda que a comunidade internacional se comprometeu a investir na reconstrução do país à época foi pomposo: R$ 47,3 bilhões, em valores corrigidos. Seis meses após a tragédia, apenas 2% do montante havia chegado ao Haiti.
“A ajuda que chega em geral mal passa pelo Estado [haitiano] e vai direto para ONGs ligadas ao país de origem da doação”, diz João Fernando Finazzi, professor de relações internacionais da PUC de Minas Gerais. “Há uma hierarquia que dificulta que as organizações da ponta, localizadas nos bairros, recebam esse dinheiro.”
A recuperação do desastre de 2010 foi lenta, com os desdobramentos sentidos até hoje, o que leva parte dos haitianos a descrever como um fracasso a atuação internacional para mitigar os impactos daquela tragédia.
Relatório da Universidade do Estado do Haiti e da Universidade de Tulane (EUA) em 2012 caracterizou a ajuda internacional pós-2010 como algo que resolveu as necessidades imediatas, mas não trouxe resiliência ao país —e, em alguns casos, chegou a causar danos.
O principal problema, de acordo com o documento, foi que a resposta humanitária muitas vezes minou a capacidade de indivíduos e organizações haitianas. “Mudar a abordagem promoveria a obtenção de autossuficiência, em vez do status contínuo de dependência —a ‘ajuda humanitária padrão’”, sugere o texto.
“Esse modelo de ajuda enfraquece o Estado haitiano e gera dependência da comunidade externa”, diz Finazzi, também pesquisador do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais da PUC de São Paulo.
Mesmo que falho, o modelo tem guiado a atuação internacional em relação ao país caribenho nas últimas três décadas. De 1994, quando tropas americanas entraram no Haiti para recolocar no poder o presidente deposto Jean-Bertrand Aristide, a 2017, o Haiti viveu sob o guarda-chuva de missões de paz.
A última foi a Minustah, missão das Nações Unidas liderada pelo Brasil de 2004 a 2017. “Com o fim da operação, é possível observar que a capacidade de gestão haitiana caminha, mas de forma muito complicada”, avalia a professora de relações internacionais da Faap Vanessa Matijascic, que estudou as operações da ONU no Haiti. “Há o desafio de o governo local administrar o país sem ajuda externa.”
Ainda que a escala de destruição deixada pelo terremoto de sábado seja menor que a de 2010, é extensa a lista de desafios haitianos nos quais a ajuda humanitária poderia, em partes, ser útil.
Agravando a já delicada situação, uma tempestade tropical severa deve passar pelo país caribenho entre a noite desta segunda e a manhã de terça (17), com ventos de até 120 km/h. O núcleo da chamada tempestade Grace deve prejudicar principalmente departamentos já afetados pelo terremoto, no sudoeste haitiano.
Com as fortes chuvas, combinadas a estruturas danificadas pelo sismo, mais deslizamentos de terra são possíveis, e o socorro aos feridos pode ser prejudicado. O governo emitiu alerta laranja de tempestade (risco alto), e estão suspensos o transporte de cargas no litoral e as atividades de mineração.
A ajuda internacional, porém, tem chegado, ainda que sem coordenação. Nesta segunda, 15 toneladas de suprimentos do México, com alimentos, água e remédios, foram entregues. Uma brigada de 253 médicos cubanos que já residia no país ajuda a cuidar dos feridos.
Sob tutela da Usaid (agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional), uma tripulação aérea tem ajudado a transportar haitianos gravemente feridos para que recebam cuidados médicos.
Em meio ao caos, despontam também outros desafios, como o do combate à Covid-19 —o país foi o último da América Latina a começar uma campanha de imunização dos seus habitantes. Até a última sexta (13), só 371 haitianos, de uma população de 11 milhões, estavam completamente imunizados (com as duas doses ou com vacinas de dose única).