Direito da mulher

Argentina inicia debate sobre legalização do aborto por vontade da mulher

Mulheres favoráveis e contrárias ao projeto programam vigília diante do Congresso

A praça do Congresso, em Buenos Aires, deve ser tomada por dois grupos a partir das 10h desta quinta-feira (10): um verde e um azul celeste. Não, não se trata de uma disputa futebolística, mas de uma vigília prevista para terminar apenas quando a Câmara dos Deputados argentina acabar de debater e votar a lei que regulariza o aborto livre e gratuito, apenas pela vontade da mulher, até a 14ª semana de gestação.

Os “verdes” são os apoiadores do projeto de lei, enquanto os “celestes” se opõem a ele. Os dois grupos reúnem organizações sociais de quase todas as províncias do país e se identificam pelo uso de lenços, camisetas e bandeiras, com a cor de sua convicção.

Os manifestantes precisam estar preparados para uma longa jornada na praça —calcula-se que serão 30 horas de discursos, pela quantidade de legisladores que se inscreveram para falar.

A votação só pode ocorrer depois do fim das intervenções, portanto, na tarde de sexta-feira (11).

Vigílias de ambos os grupos estão sendo organizadas também em várias capitais de províncias e em cidades do interior.

Para ser aprovada, a proposta precisa de 129 votos favoráveis. Segundo estimativas da imprensa argentina, há 124 deputados a favor e 110 contra. Outros 20 estão indecisos ou não declararam sua posição.

Se o projeto passar pela Câmara de Deputados, ainda precisa ir ao Senado —onde tem mais chance de ser aprovado, porque a Casa tem maioria peronista e votações comandadas pela vice-presidente, Cristina Kirchner, que é favorável à medida. Como moderadora, além de ter o voto de minerva em caso de empate, ela pode suspender objeções pedidas pelos senadores.

O projeto, enviado ao Congresso pelo Executivo, foi uma das bandeiras da campanha do presidente Alberto Fernández.

“Estamos mais preparados desta vez do que em 2018”, diz Laura Salome, 39, coordenadora da campanha verde, em referência à votação anterior do projeto, que foi aprovado na Câmara, mas rejeitado no Senado por uma diferença pequena de votos. “Entendemos que o debate já está dado e as razões já estão esclarecidas, mas vamos ouvir os deputados com respeito e fazer a nossa parte.”

Na seção da praça destinada aos que defendem a legislação, haverá estandes para representar as diferentes associações que integram o grupo e conversas de esclarecimento sobre o projeto de lei e sobre seus detalhes.

Segundo Salome, serão respeitadas as medidas de distanciamento social por conta da pandemia do coronavírus, e as militantes estão sendo orientadas a não cair em provocações do outro grupo. “Instruímos todas as mulheres a não andarem sozinhas pela praça e a reportarem qualquer ato violento, porque não confiamos na polícia e vamos cuidar de nós mesmas.”

A campanha verde também contará com um pequeno palco, onde haverá discursos sobre o projeto e de onde elas planejam comandar a festa da aprovação.

“Estamos confiantes. É uma lei urgente. Com ou sem pandemia, o aborto clandestino continua matando mulheres, os abusos continuam ocorrendo e as judicializações criminosas dos abortos legais continuam colocando obstáculos para que as mulheres tenham acesso a um direito”, diz Salome.

Do outro lado da praça, os celestes também pretendem deixar claro por que são contra a lei.

“Defendemos outras políticas para evitar o aborto e salvar as duas vidas, a da mãe e a do bebê”, diz Milagros Bitti, 22, da ONG Frente Jovem Contra o Aborto. “Lutamos por um programa estatal que ajude as mães que não têm como manter a gravidez por razões pessoais ou econômicas. Defendemos um projeto de assessoria integral à gravidez vulnerável e que evite os os abortos.”

Seu grupo estará na praça com outras associações de todo o país, algumas apoiadas por grupos políticos e pela Igreja. “Nós apresentamos mais de 20 projetos alternativos ao aborto, de prevenção, educação e assistência às mulheres, mas eles foram engavetados”, afirma.

Para Bitti, a legislação proposta agora é “ainda mais radical que a de 2018”, por permitir, em caso de risco de morte da mãe, “um aborto até os nove meses de idade do bebê, o que é um crime”.

Os celestes também criticam o trecho do projeto que trata da objeção de consciência (quando um médico se recusa, por razões pessoais ou religiosas, a realizar um aborto). “É permitido que ele se recuse, porém ele tem de fazer de tudo para orientar a mulher para ir a outro centro ou encontrar um médico que faça o aborto. O que dá no mesmo”, afirma.