Caso Carrefour prova que investidores ainda não priorizam preocupação social
Para profissionais de mercado, os investidores brasileiros ainda prestam muito mais atenção aos ganhos financeiros
A preocupação do mercado com as políticas social, ambiental e de transparência das empresas até está crescendo, mas o que vale mesmo para a grande maioria de investidores é o bom e velho lucro. Essa é a visão de analistas e gestores de recursos ouvidos pelo UOL para comentar os motivos pelos quais as ações do Carrefour na Bolsa tiveram valorização no dia em que um cliente negro foi assassinado numa loja da rede por pessoas a serviço da multinacional francesa.
Para profissionais de mercado, os investidores brasileiros ainda prestam muito mais atenção aos ganhos financeiros das companhias na hora de comprar essa ou aquela ação que no ESG – sigla para Environmental, Social and Governance – que representa critério para medir a performance ambiental, social e de governança corporativa de uma empresa. E o “S”, de social, é o tema que está mais longe do radar dos aplicadores, dizem os profissionais.
“Esse é um tema que, aqui no Brasil, as empresas estão levantando a bandeira, e algumas instituições querem se posicionar, mas na realidade o efeito na decisão de investimento ainda é muito baixo. O que importa no fim das contas é o lucro do investidor. É um tema importante, está no radar, mas não faz preço ainda”, afirma Rodrigo Moliterno, sócio e chefe de renda variável da plataforma de Veedha Investimentos
Há promessas no papel, mas falta medida prática
Eventos trágicos, como o que envolveu o Carrefour, mostram o quanto as empresas ainda precisam evoluir em ações sociais para provar na prática o que prometem em seus relatórios, dizem profissionais de mercado. Para eles, o mesmo ocorre com o tema ambiental, como foi o caso dos rompimentos de barragens da Vale, ou de transparência, conforme exemplo da CVC, que admitiu erros nos balanços.
Nos três casos, o comportamento das ações não reflete a gravidade dos fatos em relação aos princípios do ESG, dizem os gestores de recursos. Por outro lado, ações positivas, como as tomadas pelo Magazine Luiza, de inclusão racial, têm um “prêmio” ainda tímido do mercado.
As políticas ambientais, sociais e de transparência das empresas não mudam de uma hora para outra e dependem da pressão – inclusive daquela exercida pelos investidores – dizem os gestores de recursos.
Meio ambiente tem mais destaque que social
No caso do S, de Social, o atraso é maior. O tema ambiental vem sendo estrela há mais tempo e ganhou ainda mais espaço por causa da pandemia.
“A questão social nunca recebeu muito valor do mercado. E olha que no caso do Carrefour a empresa já tem um histórico. Estamos amadurecendo sobre o assunto, mas a gente não vê um reflexo tão duro ainda”, analisa Pedro Lang, chefe de renda variável da Valor Investimentos
A mudança de comportamento do investidor vai ocorre se as empresas que adotarem na prática as políticas sociais e ambientais tiverem também um desempenho operacional superior ao de seus concorrentes, apontam gestores de recursos.
“O S, de Social, vinha ficando no terceiro plano. Tenho certeza de que eventos como esse, do Carrefour, vão fazer com que o mercado financeiro dê mais atenção ao tema”, diz Alvaro Gonçalves, sócio-diretor da Stratus
Grandes investidores mais atentos
Para Gonçalves, que atua como gestor de recursos de private equity há 30 anos, esse movimento tende a ser liderado pelos investidores institucionais, como fundos de investimento de private equity e fundos de pensão, que compram fatias maiores de companhias. Entre esses grandes aplicadores, é maior a atenção dada às políticas de sustentabilidade das empresas.
Algo que vai levar algum tempo até chegar aos investidores menores, afirma Gonçalves, da Stratus, também membro do conselho da Abvcap (Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital)
Como saber se empresa faz o que promete?
O mercado diz que faltam ainda ferramentas para um gestor de recursos ou um investidor confira se o que uma empresa diz sobre suas políticas sociais está de fato sendo aplicado.
“ESG é um tema muito importante para a sociedade, mas tem muito ainda a evoluir. Não é uma questão de se é mais ou menos importante que o lucro, mas sim de um processo que está em evolução. Ainda estamos aprendendo a medir, o que é muito importante nesse processo”, afirma Betina Roxo, analista da Rico Investimentos
Hoje, tanto gestores de recursos como investidores ainda dependem muito da palavra das empresas para checar se as companhias de fato praticam políticas sociais, ambientais e de transparência que sejam responsáveis.
Índice de sustentabilidade vai mudar
Um tipo de referência usada pelo mercado para ver quais companhias são socialmente responsáveis é o índice de sustentabilidade, que reúne as ações de empresas que dizem adotar essas políticas.
No Brasil o ISE, formado por 30 empresas, acumula desde a criação, em 2005, valorização nominal de 255,9%, maior que os 194,4% apurados em igual período pelo Ibovespa. Mas em 2020, o comportamento dos dois indicadores está praticamente igual. E ao longo desses 15 anos o número de empresas nesse indicador praticamente não cresceu – eram 28 em 2005.
O fato de a inclusão das empresas nesse índice depender muito das respostas que as próprias companhias dão aos questionamentos da Bolsa, que montou o índice, é um dos motivos de questionamentos de movimentos sociais.
O movimento negro Educafro, por exemplo, quer que a Bolsa altere as regras do índice de sustentabilidade ou crie um novo índice que seja mais rigoroso no papel de estimular as empresas a adotarem políticas inclusivas e socialmente responsáveis.
“Esse índice é um fracasso em termos de inclusão racial”, afirma Frei David Santos, diretor executivo da Educafro
A B3 diz que o papel desse índice é ser um indutor de boas práticas. Mas reconhece que o indicador precisa evoluir em sua forma de definir quais empresas estão aptas a integrar essa lista.
Para 2021, a Bolsa está trabalhando em uma nova versão para o indicador, para dar maior peso às políticas sociais e ainda criando formas de checar com maior precisão as políticas de sustentabilidade que as empresas dizem praticar.