INTERNACIONAL

Centenas são presos durante julgamento de opositor de Putin em Moscou

Alexei Navalni, preso após ter sido envenenado, pode pegar três anos e meio de cadeia

Policiais russos carregam manifestante em protesto em São Petersburgo (Foto: Reprodução / Folhapress)

Centenas de pessoas foram detidas em Moscou ao ir protestar contra o julgamento que pode deixar o ativista Alexei Navalni por três anos e meio na cadeia.

Após bater o recorde de detenções em protestos no domingo (31), quando cerca de 5.600 manifestantes foram detidos em quase 100 cidades russas, a polícia do país de Vladimir Putin tomou medidas duras para a audiência desta terça (2).

Grupos de ativistas foram parados nas estações de metrô próximas da Corte Municipal de Moscou, não muito distante do famoso mercado de quinquilharias russas e soviéticas de Izmailovo, a nordeste do centro da capital.

Segundo a ONG de monitoramento de violência policial OVD-Info, 237 haviam sido presas até as 13h30 (7h30 em Brasília). O julgamento iria ocorrer em outra corte, a de Simonovski, mas o juiz do caso pediu para deixá-lo e sugeriu a transferência para o novo prédio, maior e mais seguro.

Navalni chegou ao local às 11h (5h em Brasília). Questionado sobre seu endereço, brincou ao juiz que era Matrosskaia Tichina (o silêncio do marinheiro, em russo), a famosa prisão moscovita que data do século 19 em que ele está detido.

Navalni foi preso em 17 de janeiro, ao desembarcar em Moscou após quase cinco meses de tratamento em Berlim. Ele não passou do controle de passaportes.

Ele havia sido envenenado na cidade siberiana de Tomsk em agosto, e alega que o agente químico Novitchok que os médicos encontraram em seu corpo foi administrado pelo FSB (Serviço Federal de Segurança, sucessor doméstico da antiga KGB).

A partir de investigações próprias, que incluíram um trote no espião acusado de plantar o veneno em uma cueca sua no hotel em que estava, Navalni acusou diretamente Putin.

O presidente nega responsabilidade, e o Kremlin sugere que o ativista está a serviço da CIA (serviço secreto americano). Putin condenou os atos porque, pela lei russa, eles são ilegais por não terem sido autorizados.

Sua prisão ocorreu porque, ao deixar o país em coma numa UTI aérea, Navalni feriu os termos de sua liberdade condicional. Seu advogado expôs a situação para o juiz nesta manhã, alegando que seu cliente iria se apresentar à Justiça na manhã seguinte à sua chegada.

Quando o representante do Serviço Penitenciário Federal da Rússia, que promove o caso, disse que não havia sido informado oficialmente do motivo da saída de Navalni, o clima na corte ficou farsesco. “Eu estava em coma, depois na UTI, e enviamos os documentos”, disse Navalni.

Ante a nova negativa do oficial, ele gritou: “Mas eu estava em coma!”.

A Promotoria deu um parecer favorável à execução da sentença. Navalni por ora está sob prisão provisória até o dia 18.

O governo russo protestou contra a presença de diplomatas de 11 países, incluindo os EUA, e da União Europeia. O Ocidente pede a libertação da Navalni.

“Isso não é só interferência em assuntos internos de um país soberano, mas um auto incriminamento das tentativas ilegais do Ocidente de conter a Rússia”, escreveu no Twitter Maria Zakharova, porta-voz da chancelaria.

Apesar de Navalni não ser exatamente popular, com 4% de apoio a suas posições numa pesquisa de novembro, sua prisão disparou os maiores protestos em anos no país. Eles ocorreram no dia 23 e no domingo (31) passado, levando milhares às ruas sob frio congelante do inverno russo.

Na primeira rodada, mais de 4.000 haviam sido detidos por estarem em protestos não autorizados. Entre eles estava Iulia, mulher de Navalni, que foi presa e solta novamente no domingo —recebendo uma multa de R$ 1.800 por estimular os atos.

Diversos aliados de Navalni sofreram o mesmo destino, aumentando a pressão sobre seu grupo.

Em 2012, Navalni e seu irmão Oleg foram acusados de dar um golpe numa filial russa da empresa de cosméticos francesa Yves Rocher. Eles prestavam serviços de transporte à firma. A empresa disse não ter sofrido prejuízos, mas em 2014 ambos receberam três anos e meio de cadeia.

Oleg foi preso e Navalni teve a sentença suspensa. Por causa de outra condenação por fraude que também alega ter sido persecutória, ele não pôde participar da eleição presidencial de 2018.

Navalni já era um ativista conhecido, tendo participado dos protestos contra a eleição de Putin no começo de 2012. Mas foi em 2017 que ele alcançou fama nacional e internacional, quando investigações de seu Fundo Anticorrupção postadas online estimularam milhares de jovens a protestar contra o governo.

Inicialmente, Navalni evitava atacar diretamente Putin, o que levou a especulações se ele fazia parte de alguma campanha interna de desinformação entre as facções do Kremlin: seu alvo era Dmitri Medvedev, o ex-presidente e ex-premiê russo.

Além disso, como a Folha mostrou em 2017, a opacidade financeira de sua ONG era notória. Com o tempo, contudo, ele voltou as baterias para o líder russo, no poder desde 1999.

Foi mais uma reviravolta na carreira deste advogado de 44 anos. Ele já foi ativista liberal pró-mercado, filiado ao tradicional partido Iabloko (maçã, em russo), depois flertou com posições ultranacionalistas xenófobas e, mais recentemente, transita num certo populismo de esquerda com apelo entre jovens.

Ele sempre foi visto com desconfiança por partidos tradicionais, como o próprio Iabloko, por desacreditar o sistema político.

Nos últimos dois anos, contudo, sua rede ativista adotou a tática de apoiar qualquer candidato em pleitos que não pertencesse ao partido do Kremlin, o Rússia Unida —com alguns sucessos e mirando a eleição parlamentar de setembro.

O centro de seu trabalho, contudo, sempre foi o ativismo anticorrupção. Sua peça mais recente acusa Putin de ter ser o verdadeiro dono de um palácio que frequenta às margens do mar Negro, que teria custado R$ 7,6 bilhões e teria até escovas de vaso sanitário de R$ 4.600. O objeto virou um dos símbolos dos protestos.

Navalni ainda sofre outras acusações criminais por fraude, relacionadas justamente às finanças de seu grupo ativista.