Com auxílio menor, economia caminha a passos lentos e depende de vacinação
Os indicadores econômicos do fim de 2020 ligaram um sinal de alerta para o início…
Os indicadores econômicos do fim de 2020 ligaram um sinal de alerta para o início de 2021, ao reforçar o peso que os auxílios dados pelo governo tiveram na recuperação da economia após o período mais duro da pandemia.
Para analistas, na falta de dinheiro para retomar o programa, a economia do país dependerá do ritmo de vacinação contra a Covid-19.
Dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) esta semana apontaram para desaceleração da retomada econômica no fim do ano, reflexo da redução do auxílio emergencial, da disparada da inflação de itens básicos e do aumento das contaminações pelo novo coronavírus, que reduzem a confiança do consumidor.
Nesta quinta (11), o IBGE mostrou que o setor de serviços parou de crescer em dezembro, fechando o mês com leve recuo de 0,2%. Principal motor da economia e o mais afetado pelas medidas de distanciamento social, o setor fechou 2020 com um volume de vendas 3,8% abaixo do verificado antes da pandemia.
O comércio, que já havia recuperado as perdas do momento mais duro da crise, teve queda ainda maior em dezembro, de 6,1%, o pior desempenho em duas décadas. Depois de um esforço para recompor estoques, a indústria também dá sinais de desaceleração.
Para Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), os resultados acendem uma luz amarela no setor produtivo. “Os serviços caíram após sete meses de crescimento, o varejo teve o pior mês de dezembro em 20 anos e o turismo, que vinha avançando lentamente desde maio, fechou estável em dezembro”, enumera.
“As expectativas são muito ruins para este ano”, concorda a economista Margarida Gutierrez, da Coppead/UFRJ. “Tem o avanço da pandemia, um ritmo muito lento de vacinação e uma incerteza fiscal brutal”, completa, ressaltando que o cenário já se reflete na confiança do empresariado.
De fato, o Índice de Confiança do Empresário Industrial de janeiro, divulgado na quarta (10) pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), veio com queda pelo segundo mês consecutivo. Na semana passada, a FGV (Fundação Getulio Vargas) já havia captado redução da confiança em seu índice, que também inclui empresários de outros setores.
Após o resultado de dezembro, a CNC reduziu de 3,9% para 3,5% a expectativa de crescimento do volume das vendas no varejo restrito em 2021, citando o fim do auxílio emergencial como um dos um dos fatores que deve fazer o setor colher resultados ainda mais fracos, especialmente no primeiro trimestre do ano.
O governo avalia a criação de um novo estímulo, mas em valor menor e para um público mais reduzido, o que limitará os efeitos sobre a economia, segundo os especialistas. Restrições impostas ao funcionamento de comércio e serviços em diversas cidades também ajudarão a segurar a atividade.
“Estamos vivendo uma situação surreal, com queda muito grande das vendas”, diz Paulo Solmucci, presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), que classifica o cenário como “desolador” e projeta de recuo de até 40%.
“Em São Paulo, o maior mercado do Brasil, estamos tomando um triplo capote, pois tivemos aumento de alíquota dos principais insumos”, acrescenta, em referência à reforma fiscal do governador João Doria (PSDB), que reduziu incentivos fiscais a diversos produtos.
O segmento de bares e restaurantes é parte de um conjunto de atividades denominada pelo IBGE de Serviços prestados às famílias, que recuou 35,6% em 2020, a pior queda entre os cinco grupos de atividades pesquisados pelo instituto neste setor da economia.
Um dos segmentos industriais mais prejudicados, a indústria têxtil virou o ano ainda em alta, com esforço para reposição de estoques em toda a cadeia, mas já vê desaceleração da atividade no início do ano.
“Nossos indicadores mostram que o varejo [de roupas] está andando de lado e pior que o janeiro do ano passado”, diz o presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil), Fernando Pimentel.
Com a explosão dos preços das commodities, diz, o setor ainda sofre com a dificuldade de repassar a alta de custos aos comerciantes. “Em um ano, a cotação do algodão subiu 75%. Essa pressão de custos está dificultando as negociações com o varejo, que não quer pagar mais porque o consumidor está enfraquecido”, afirma Pimentel. “O ano começa bastante problemático.”
Diante das restrições fiscais, o mercado não espera a concessão de auxílios na mesma dimensão de 2020, quando o governo lançou programas para ajudar não só o consumidor, mas também os empresários, com a concessão de empréstimos e a suspensão do pagamento de dívidas.
Há no mercado, porém, diferentes visões sobre o poder de fogo do governo para garantir nova ajuda em 2021. Para o professor Ricardo Macedo, do Ibmec, o auxílio emergencial precisa ser prorrogado já após o Carnaval, para que a economia brasileira possa sobreviver.
Ele lembra que o benefício seria temporário, sem impedir que o governo possa se organizar ao longo do tempo para consolidar a recuperação fiscal. “Pode ser que demore mais tempo, mas acho que parece economia de guerra, pois a saúde nesse caso tem peso grande”, afirmou.
Luka Barbosa, do Itaú, pensa diferente: “Com a dívida pública elevada, se o auxílio for dado sem fazer reforma ou cortar outro gasto, veremos uma piora das condições financeiras, aumento de juros… Com efeito negativo, e não positivo na atividade”, afirma.
É consenso entre os entrevistados, porém, que o ritmo da atividade econômica depende fortemente do ritmo de vacinação contra a Covid-19, considerado lento até agora.
”O que pode ser feito é vacina e reforma fiscal, que permitem manter os juros baixos. Isso que faz a diferença e está acontecendo em outros países do mundo, como Israel e Estados Unidos”, diz Barbosa.
Ele espera um primeiro trimestre de 2021 com crescimento zero na comparação com o quarto trimestre de 2020, mas podendo ter um PIB até positivo, pois enxerga a segunda onda do vírus com efeito menor do que o imaginado sobre a atividade econômica.
Para Gutierrez, da UFRJ, o primeiro trimestre será de queda. “A expectativa é que, no segundo semestre, com vacinação em massa, e economia volte a rodar com muita força”, afirma ela, que classifica a vacinação como um “divisor de águas”.
“Enquanto não tiver perspectiva de uma vacinação mais expressiva, não tem jeito. O setor de serviços, que representa 70% do PIB, por exemplo, não vai funcionar.”