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Crise do clima aprofunda desigualdades e viola direitos humanos, diz ONG

Anistia Internacional aponta efeitos desproporcionais da mudança climática, que prejudica mais grupos vulneráveis

Foto: Jucimar de Sousa/Mais Goiás

A crise climática é uma crise de direitos humanos, cujas emergências já estão afetando de maneira desproporcional os países mais vulneráveis e os grupos sociais mais discriminados e marginalizados, aprofundando desigualdades.

É isso o que indica o relatório “Parem de Queimar Nossos Direitos”, lançado nesta sexta-feira (13) globalmente pela Anistia Internacional.

O documento detalha como emergências climáticas têm consequências injustas entre países, entre diferentes populações e entre gerações e de que maneira elas comprometem a garantia de uma série de direitos fundamentais, como o direito à vida, à água, à alimentação, à moradia, à saúde, ao trabalho e à autodeterminação, entre outros.

O primeiro e mais elementar desses direitos é a face mais evidente e trágica da escalada de emergências climáticas que tomaram o noticiário ao longo do último ano. Tempestades devastadoras, recorde de furacões, ondas de calor e incêndios sem precedentes mataram pessoas da Austrália à Alemanha, passando por Bahamas, China e Canadá.

Segundo o documento, mais de 20 milhões de pessoas foram deslocadas internamente, em média, a cada ano entre 2008 e 2019 por causa de eventos relacionados ao clima. Parte desses eventos afetou a vida de milhões de pessoas ao destruir plantações e casas e queimar florestas e cidades inteiras, além de secar rios. O Brasil, por exemplo, vive a pior estiagem dos últimos 91 anos, o que compromete o abastecimento da população e o fornecimento de energia elétrica.

A ONG internacional reitera um alerta da comunidade científica: a temperatura do planeta já subiu, em média, 1,1ºC desde tempos pré-industriais, e os países precisam evitar que essa elevação dos termômetros ultrapasse 1,5º C. Para isso, precisam reduzir ao máximo, chegando a zero, suas emissões de carbono.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) estimou que manter o aumento da temperatura média global em 1,5°C, e não em 2°C, resultaria na proteção de 420 milhões de pessoas em relação a ondas de calor extremas e na redução de 50% no número de pessoas expostas ao estresse hídrico induzido pelo clima, além de diminuir o risco de inundações costeiras.

Estudo publicado na revista Nature calculou que, em 2050, a elevação do nível do mar por conta do derretimento de gelo nos pólos do planeta pode afetar mais de 1 milhão de brasileiros que vivem em regiões costeiras.

“As autoridades públicas no Brasil têm contribuído para que haja um desmonte da agenda ambiental, mas não há mais espaço para o negacionismo. A vida de brasileiros e brasileiras deve vir em primeiro lugar”, explica Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil.

Segundo Werneck, os Estados têm obrigações legais de enfrentar a crise do clima, de acordo com a normativa internacional dos direitos humanos. “Exigimos que o governo do presidente Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional ajam para atenuar os efeitos das mudanças climáticas sobre a população brasileira e implementem políticas públicas de conservação da natureza e proteção dos direitos humanos.”

Para ela, o governo do Brasil não está fazendo o que é preciso para enfrentar a crise climática. “Muito pelo contrário, temos visto decisões equivocadas, perigosas e muita negligência. O governo não se coloca ao lado da proteção do ambiente natural nem dos sujeitos de grupos populacionais como indígenas, quilombolas e moradores das periferias das cidades para mitigar e superar os impactos da crise climática.”

Embora as mudanças climáticas sejam um fenômeno global, elas atingem países pobres e em desenvolvimento de maneira desproporcional, o que configura um aspecto injusto desse fenômeno.

O relatório afirma que os países e blocos que mais emitiram CO2 na história —EUA, União Europeia, China, Rússia e Japão— têm uma responsabilidade histórica e precisam agir em seu território e no exterior, mas não são os únicos que devem responder ao imperativo de mudanças.

“Para resolver essa crise, que é global, é preciso que a responsabilidade de agir seja compartilhada por todos e todas. Todos os países precisam fazer alguma coisa urgente, sejam os países mais ricos do mundo, sejam aqueles em desenvolvimento, como o Brasil, sejam os países mais pobres do mundo. Todo mundo tem o que fazer, todo mundo deve fazer. Se omitir nesse momento é extremamente violador dos direitos humanos”, afirma a diretora-executiva da Anistia no Brasil.

Neste sentido, o relatório da organização aponta que a omissão de países em tomar medidas audaciosas para enfrentar a crise do clima é, em si, uma violação de direitos humanos porque tem impactos concretos sobre direitos com um escopo ainda maior que outros tipos de violações.

Isso porque, além do desequilíbrio entre nações, os efeitos das emergências climáticas também estão ligados às desigualdades e privilégios de parcelas da população mundial.

De acordo com o relatório da Anistia, de 1990 a 2015, os 10% mais ricos da população mundial (cerca de 630 milhões de pessoas) foram responsáveis por mais da metade das emissões acumuladas de carbono, enquanto os 50% mais pobres (cerca de 3,1 bilhões de pessoas) foram responsáveis por apenas 7% das emissões acumuladas.

Estudos já identificaram que existem recortes étnicos, raciais e de gênero nas pessoas mais afetadas, entre elas, mulheres, pessoas negras e povos indígenas, além de outros grupos que vivem em moradias mais precárias, em localidades de risco ou em áreas mais expostas à poluição e menos servidas de saneamento, por exemplo.

Por isso, ao mesmo tempo que o relatório convoca os países a reduzir drasticamente a queima de combustíveis fósseis e a acelerarem suas transições para matrizes energéticas limpas, a Anistia chama a atenção para a necessidade de cuidar das pessoas mais vulneráveis. Para tanto, recomenda a criação de mecanismos de financiamento internacional para que se adote medidas de mitigação da crise e de adaptação das populações a emergências climáticas.

Além disso, de acordo com a ONG, esses projetos de mitigação e de adaptação muitas vezes ocorrem em contextos de violação de direitos, seja no campo do trabalho ou da alimentação, no caso das monoculturas de biocombustíveis.

“Há uma profunda injustiça permeando toda essa crise climática. Porque é uma minoria das pessoas do mundo e dos países do mundo que produzem um excesso de gases de efeito estufa, que estão na origem da crise climática. E são aqueles que são excluídos e marginalizados que já estão pagando o preço mais alto dessa crise”, avalia Werneck.

“Portanto, a resposta à crise precisa ser coordenada e ter enfoque em direitos humanos. Precisa garantir que as medidas de reparação e de correção de rota sejam rápidas, mas também sejam justas.”