Dívidas das famílias devem consumir 26% do valor do Auxílio Brasil, diz CNC
Pesquisa da CNC, indica que 70% do benefício deve ser revertido para o consumo
O aumento do endividamento da população brasileira a patamares recordes ao longo da pandemia de Covid-19 deve subtrair do varejo e dos serviços mais de um quarto dos recursos que serão injetados na economia pelo Auxílio Brasil, segundo cálculos da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O pagamento do benefício começa a ser liberado pelo governo nesta terça-feira (18).
Dos R$ 84 bilhões que serão liberados pelo programa a aproximadamente 17,5 milhões de pessoas ao longo de 2022 (considerando o benefício mensal de R$ 400), 70,43% serão revertidos em consumo imediato, o equivalente a R$ 59,16 bilhões: R$ 28,04 bilhões gastos no varejo e outros R$ 31,12 bilhões no setor de serviços.
Outros R$ 21,62 bilhões serão destinados ao pagamento de dívidas, 25,74% do total de recursos liberados pelo programa, enquanto R$ 3,21 bilhões irão para a poupança, apenas 3,83% de todo o montante a ser transferido aos beneficiários. “Apenas uma parcela muito pequena da população tem condições de poupar”, lembrou o economista Fabio Bentes, responsável pelo estudo da CNC.
O economista explica que o consumo imediato depende de fatores como massa de rendimentos, nível de preços e grau de endividamento da população. Quanto maior o grau de endividamento das famílias, maior tende a ser a parcela do orçamento doméstico destinada ao pagamento de dívidas, ressalta Bentes.
“A cada 1 ponto porcentual de comprometimento da renda, o estímulo ao consumo é reduzido em 0,71%. O último dado divulgado pelo Banco Central, referente a setembro de 2021, mostrava 30,33% da renda das famílias comprometidos com dívidas. No pré-covid, na média do ano de 2019, esse porcentual era de 24,7%. Em quase dois anos, avançou mais de 5 pontos porcentuais”, apontou Bentes.
A CNC projeta que 35,9% da renda das famílias brasileiras estarão comprometidos com dívidas na média do ano de 2022. O levantamento considera todas as contas a pagar, tanto as que estão ainda por vencer como as que já estão em atraso. A perspectiva de piora é explicada pelas condições ainda difíceis do mercado de trabalho, pela inflação elevada e pela alta na taxa básica de juros, que encareceu o crédito para pessoas físicas.
Se o patamar de endividamento recuasse ao nível pré-covid (24,7%), o total de recursos do Auxílio Brasil destinados ao consumo de bens e serviços seria maior, de R$ 65,91 bilhões, calcula o economista da CNC. “Teríamos uma injeção de recursos no comércio bem maior. O consumo deixará de receber um aporte da ordem de R$ 6 bilhões por conta desse aumento do endividamento”, apontou Bentes.
Impacto quase nulo na economia
Para o economista-chefe da Wealth High Governance (WHG), Fernando Fenolio, o Auxílio Brasil deve ter impacto restrito na economia em 2022. O analista estima que o programa deve contribuir com 1,3% para a variação real da massa salarial ampliada, que reúne os rendimentos do trabalho e benefícios sociais e previdenciários, este ano. Mas esse número é insuficiente para compensar o impacto negativo de 2,7% do fim dos pagamentos do auxílio emergencial.
“Não vai fazer grande diferença no resultado final, primeiro por causa da inflação alta, que acaba comendo parte dos rendimentos, e não é nada parecido em termos de escopo com o que foram as medidas de meados de 2020”, diz Fenolio, que estima queda de 0,3% do PIB (Produto Interno Bruto) de 2022. “Em termos reais, a massa salarial ampliada deve subir 0,5% este ano, o que não é uma injeção de dinheiro a ponto de levar a uma expansão do consumo.”
Da mesma forma, o economista da LCA Consultores Bruno Imaizumi observa que o impacto do Auxílio Brasil sobre a economia deve ser limitado este ano. Segundo as contas da consultoria, a participação do novo programa na massa total de renda da população deve atingir um pico de 2,6% em junho de 2022 e se manter em uma média de 2,0% ao longo do ano.
“Considerando que o PIB deve crescer 0,7% em 2022, segundo as nossas projeções, não é um impulso significativo. Estamos em um cenário difícil e de pouco impacto. Por mais que tenha dobrado o valor do Bolsa Família, é um programa mais político do que econômico, do ponto de vista de como isso deve afetar o PIB”, diz Imaizumi.
Com o efeito restrito do Auxílio Brasil na massa salarial ampliada, Fenolio, da WHG, enxerga um baixo impacto do novo programa sobre a aprovação do presidente Jair Bolsonaro (PL) no ano das eleições. “Quando você pensa em traduzir esse efeito para a popularidade presidencial, obviamente não é grande o suficiente para compensar outros fatores”, diz o economista.
O levantamento da CNC considera dados das Contas Nacionais, da inflação pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e da Pesquisa de Orçamentos Familiares, todos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), além da série histórica do nível de endividamento de pessoas físicas iniciada em 2005 pelo Banco Central.