Economia

Dólar cai abaixo de R$ 5 pela primeira vez desde fevereiro

Maior entrada da moeda americana, juros elevados e desvalorização da divisa no exterior ajudam na valorização do real

O dólar voltou a ficar abaixo de R$ 5 ante pela primeira vez desde fevereiro na manhã desta terça-feira. A valorização da moeda local no ano vem da combinação de uma série de fatores:

  • A entrada de dólares no país ajudar a derrubar seu valor ante o real, pois eleva a oferta da moeda no mercado brasileiro;
  • O patamar de juros elevados no Brasil atrai investidores, que buscam ganhar com a diferença entre as taxas no país e no exterior;
  • A desvalorização da moeda americana não ocorre apenas no Brasil, é um movimento global.

Para especialistas, a continuidade dessa tendência de baixa dependerá de fatores externos, como o rumo dos juros nos Estados Unidos, e internos, entre eles o cenário fiscal. Nos EUA, a expectativa é que o ciclo de alta de juros esteja chegando ao fim, com a possibilidade de o país entrar em recessão, ainda que leve.

No Brasil, a apresentação do novo arcabouço – que deve ser encaminhado ao Congresso até o fim desta semana – é um dos principais fatores em que o mercado fica de olho. Com a nova regra fiscal, que terá travas para aumento das despesas e metas de superávit, há uma perspectiva de equilíbrio das contas públicas, abrindo espaço para queda dos juros também por aqui.

O dólar chegou a atingir a mínima de R$ 4,9894 nesta terça-feira. No ano, a divisa cai mais de 5% ante o real. Veja alguns fatores que têm ajudado o real a se valorizar:

Fluxo de dólares positivo

A apreciação do real é influenciada pela entrada de dólares no país no primeiro trimestre.

Neste período, o fluxo cambial registrou saldo positivo de US$ 12,524 bilhões, com destaque para a entrada pela conta comercial. O movimento é impulsionado pelo superávit de US$ 16,1 bilhões da balança comercial brasileira entre janeiro e março e sinaliza que os exportadores trouxeram ao país parte dos dólares ganhos no exterior.

— O fluxo tem sido muito favorável tanto do lado da balança, mas também dos derivativos. Temos visto investidores institucionais vendendo dólares ao longo das últimas semanas — destaca o sócio e gestor da Galapagos Capital, Sérgio Zanini

Em relatório, o economista do Santander, Jankiel Santos, avalia que o cenário indica um viés de alta para o fluxo comercial e para uma estagnação na conta financeira nos próximos meses.

“A nosso ver, pode significar que a perspectiva de juros ainda altos no Brasil está atraindo exportadores para o mercado doméstico de renda fixa, o que teria reduzido a diferença entre a balança comercial embarcada e suas liquidações financeiras em relação às anteriores”, destaca.

Santos avalia que apesar de repatriar mais dinheiro do que vinham fazendo ultimamente, os exportadores estão mantendo “um pé em solo estrangeiro” pelo “ceticismo quanto à falta de coordenação entre as diretrizes de política monetária e fiscal”.

Patamar de juros

Os especialistas também creditam o movimento positivo do real, que ocorre desde o ano passado, ao diferencial de juros elevados do cenário local em relação ao exterior.

O Banco Central (BC) saiu na frente de outras instituições de economias emergentes e desenvolvidas e começou a elevar os juros já no início de 2021, com a Selic rapidamente tendo atingido o nível de 13,75%.

O diferencial de juros maior em relação ao cobrado no exterior estimula as operações de carry trade, operação que envolve tomar dinheiro emprestado em um país com baixas taxas de juros e investir em outro que oferece retornos maiores.

Nesse sentido, o tom mais duro adotado pelo BC em suas últimas comunicações favorece a atração de dólares e valoriza a moeda local.

— O Brasil com juros ainda alto, sem dúvida, projeta um carry trade — destaca o diretor da FB Capital, Fernando Bergallo.

Dólar mais fraco no exterior

A desvalorização do dólar não ocorre apenas ante o real, mas também contra outras divisas emergentes, como o peso mexicano e o peso colombiano.

O índice DXY, que mede o comportamento do dólar contra uma cesta de moedas fortes no exterior, operava na faixa dos 102 pontos nesta terça após ter superado a marca dos 110 pontos no segundo trimestre de 2022.

A reversão de tendência ocorre pela proximidade do fim do ciclo de juros promovido pelo Federal Reserve, banco central americano, e pela perspectiva de uma desaceleração da economia americana, e talvez, até uma recessão, mesmo que branda.

— O mercado hoje tem uma percepção de que a economia americana deve entrar em recessão, mesmo que leve, e isso contribui para a desvalorização do dólar no mundo. Os pares emergentes também tiveram boas performances em março — ressalta o head de renda variável e sócio da A7 Capital, André Fernandes.

Olho no fiscal

A preocupação com o cenário fiscal e a trajetória da dívida pública é um dos fatores de pressão contra o câmbio. Dessa forma, a apresentação da regra do arcabouço fiscal por parte do governo é vista como um ponto positivo, mesmo que ainda restem dúvidas sobre alguns pontos da proposta e que ela tenha maior dependência de uma geração de receitas.

— Foi uma incerteza que foi tirada da frente do mercado, e isso ajuda no clima de otimismo em relação a nossa moeda — disse Fernandes.

É sustentável?

Para os especialistas, um ambiente com menor ruído interno e perspectiva mais positiva para o cenário fiscal tende a ajudar o real a ficar em melhores patamares de preços.

No entanto, vale destacar que os primeiros meses de governo foram marcados por fortes críticas de membros do governo à atuação do BC e ao patamar elevado de juros, além de discussões, ainda não encerradas, sobre mudanças nas metas de inflação para 2023 e para os próximos anos.

— No contexto global, com as altas de juros nos EUA chegando ao fim e o diferencial de juros favorável pode ser sustentável (patamar abaixo de R$ 5). Acho que precisamos ver o arcabouço finalizado e aprovado para solidificar e eventualmente até buscar patamares mais valorizados.

Para o Santander, há pouco espaço para o real mostrar fortalecimento duradouro em breve.

“Acreditamos que as incertezas quanto à coordenação das políticas fiscal e monetária continuaram pesando sobre os fluxos cambiais, o que nos leva a continuar esperando uma desvalorização do real ao longo do ano”, destaca Santos.