"Poucos atrativos"

Dólar ficará por mais tempo nos R$ 4, projetam analistas

Economista afirma que o Brasil tem atualmente um problema de fluxo cambial, que se refere à pouca quantidade de dólares dando entrada na economia nacional

Há entre os economistas o conceito de valor justo de um ativo, mas assim como os turistas que adiam seus planos de viagens para o exterior, a maior parte desses especialistas não têm considerado o novo valor do dólar, ao redor dos R$ 4,15, o correto. Existem explicações do porquê a moeda subiu e nada indica que voltará a cair tão cedo, para o desgosto de quem planeja férias para fora do país.

O mercado tem trabalhado com o valor de R$ 4 para o novo piso do dólar. A primeira explicação para essa completa mudança de patamar do câmbio – frustrando as expectativas de quem, no começo do ano, projetava a moeda a R$ 3,60- está na entrada e saída de dólares da economia brasileira, chamada de fluxo cambial.

No acumulado do ano, há uma saída líquida de quase US$ 9 bilhões, ante a entrada de mais de US$ 20 bilhões no mesmo período de 2018. Aqui vale a regra de oferta e demanda: se há menos dólares na economia, mais cara a moeda americana se torna em relação ao real. As variações só não são mais bruscas por causa da poupança de mais de US$ 380 bilhões que o país mantém.

“O Brasil está com problema de fluxo cambial, não tem entrada de dólares. O país tem pouca atratividade para aplicação de Bolsa e renda fixa [para o investidor externo]”, diz Sidnei Nehme, economista e diretor da NGO Associados.

A saída de dólares tem ligação direta com a queda da Selic, a taxa básica de juros. O país, que sempre foi conhecido como o paraíso dos rentistas, fazia no passado recente a festa dos investidores internacionais que vinham negociar juros e morder nacos de rentabilidades como 14% ao ano. Ao trazer dinheiro, o dólar recuava.

A recessão e o ciclo de queda de juros, que levou a Selic a 5,5% ao ano, com sinais de que ela poderá terminar 2019 em um nível ainda menor -em algumas estimativas, abaixo de 5%-, desanimaram não só o pequeno investidor brasileiro, mas os grandes estrangeiros também.

No exterior, as taxas de juros também caem -nos Estados Unidos foram para o intervalo de 1,75% a 2% ao ano no mesmo dia em que a Selic caiu ao menor índice da história. A velocidade da queda lá fora, porém, é menor do que aqui, tirando a atratividade de aplicações no Brasil.

Como a diferença entre os juros daqui e dos Estados Unidos nunca foi tão pequena (veja gráfico nesta página), o Brasil perdeu atratividade. “Para o investidor que vinha aplicar no Brasil buscando renda, a diferença [entre os juros aqui e lá fora] agora é tão pouca que ele não está mais vindo”, afirma Nehme.

Além disso, há uma aversão global ao risco, fruto da disputa comercial entre EUA e China e de sinais de desaceleração econômica global. Nos dois casos, o instinto dos investidores é o mesmo: tirar o dinheiro de países arriscados, como o Brasil, e levar para o porto seguro da dívida americana.

“O movimento global de aversão de risco pressionou ativos e moedas emergentes”, afirma Julia Gottlieb, economista do Itaú Unibanco. O Itaú não alterou ainda as estimativas para o dólar ao final deste ano, previsto para R$ 3,80.

Para 2020, o banco projeta que a moeda terminará a R$ 4. “Existe ainda muita incerteza. Se o juro cair mais… A gente ainda está aprendendo o impacto. É um mundo novo, uma realidade difícil de comparar com as estatísticas que a gente tem”, afirma Gottlieb.

No Bradesco, as projeções já foram revistas. O banco estima que a moeda termine este ano cotada a R$ 4. A mediana dos economistas ouvidos semanalmente pelo Banco Central no Boletim Focus projetam R$ 3,95. O diretor da NGO também estima que a moeda deve fechar 2019 a R$ 4.
“Não vejo possibilidade de fechar abaixo disso”, afirma.

Para que houvesse uma queda mais pronunciada, seria preciso uma grande entrada de dólares no país. Com o mercado financeiro pouco atrativo neste momento para o investidor externo, a chave são os grandes investimentos de infraestrutura -o único realmente no radar para este ano é o leilão da cessão onerosa, que vai ofertar barris de petróleo excedentes da área do pré-sal, cuja entrada de recursos ainda em 2019 depende do cumprimento de um calendário apertado. O leilão está previsto para 6 de novembro.

“O resto são melhoras pontuais, como maior exportação de soja”, acrescenta Nehme. Existem ainda outros dois sinais de que é mais provável que a direção do dólar seja para cima e não para baixo. Uma delas é a forma como o Banco Central está intervindo no mercado de câmbio, diz Nehme.

O BC está vendendo reservas no mercado à vista, injetando dinheiro no mercado. Porém, ele faz simultaneamente uma operação que, na prática, retira dólares no mercado futuro. Isso tende a manter a moeda elevada no longo prazo.

Outra razão está na forma como funciona o mercado cambial brasileiro, que tem o preço presente formado no mercado futuro. A metáfora usada por economistas diz que, no Brasil, o rabo abana o cachorro.

No mercado futuro, negocia-se a previsão de alta ou de queda. E para que alguém possa estar comprado (acreditando na alta da moeda), uma outra pessoa precisa estar vendida (apostando na queda).

Feita essa explicação, no mercado brasileiro hoje os estrangeiros são os comprados em dólar, com uma menor parcela de bancos. Já os vendidos são os investidores institucionais. Em parte, é por isso que o Boletim Focus indica que o dólar ainda poderá cair abaixo de R$ 4 até o final do ano, já que são esses últimos os economistas em maior volume entre os consultados pelo BC.

Outra máxima que existe no mercado financeiro é que o câmbio existe para ensinar humildade aos economistas. E é por isso que será preciso esperar até o final do ano para descobrir quem fez a melhor aposta. Já para turista que vai ao exterior, o melhor é ir comprando dólares aos poucos e evitar contar com a sorte.