Dólar pode deixar de ser a moeda de referência internacional?
Especialistas afirmam que já está ocorrendo um processo de diversificação das reservas internacionais
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o dólar domina o cenário internacional como a moeda referência dos países, seja em cotações, transações comerciais, acordos e contratos em geral.
Mas será que com um mercado cada vez mais integrado e diverso, além da ascensão da China, é possível que os dias de soberania da moeda americana possam acabar em um futuro próximo?
Dólar pode perder protagonismo?
Antonio Corrêa de Lacerda, diretor da FEA (Faculdade de Economia, Administração, Contábeis e Atuariais) da PUC-SP e presidente do Conselho Federal de Economia, não vê essa possibilidade nos próximos cinco anos.
Parece precipitado falar da queda do dólar a médio prazo. Porque todos os fatores permanecem solidificando a condição do dólar. Há também uma opção do mercado. É mais fácil operar com dólar.
Antonio Corrêa de Lacerda
O dólar ainda é visto internacionalmente como um investimento seguro. Prova disso é que durante crises econômicas, mesmo as que envolvem os EUA, ele se fortalece.
Exemplo disso foi a crise do subprime (de 2008). Qualquer país que entra em crise tem sua moeda depreciada. Com o dólar, aconteceu o contrário, ele se apreciou. Como todo mundo depende do dólar, mais gente se socorreu no dólar.
Antonio Corrêa de Lacerda
Sidnei Nehme, economista da NGO Corretora de Cambio, também não vê a perda da soberania do dólar “como algo concreto”.
Essa é uma hipótese sempre aventada, mas de difícil viabilização. Os Estados Unidos ainda são a maior potência mundial, a maior democracia do mundo, e o dólar é uma referência sólida. O grau de complexidade para uma mudança dessa magnitude é inimaginável.
Sidnei Nehme
Moeda chinesa pode tomar lugar do dólar?
A China se consolidou como potência, e economistas preveem que se tornará a maior economia do planeta nos próximos anos, mas os especialistas são reticentes quanto à possibilidade de que o yuan passe na frente do dólar, principalmente por causa do contexto político e social do país asiático.
Michael Hirson, diretor da consultoria Eurasia Group para China e Nordeste, afirmou recentemente que o país asiático está começando a tentar aumentar o papel internacional de sua moeda, mas tem muito pouco a fazer no curto prazo para reduzir a dependência do dólar.
Durante participação no podcast Itaú Views ele também questionou se a China teria a credibilidade institucional para que sua moeda seja vista como um bom investimento de longo prazo.
O desafio para a China é que ainda é um sistema político muito opaco. Não há independência do banco central, há muitas perguntas sobre a força institucional de diferentes agências reguladoras. Acho que tudo isso significa que a China continuará a passar por ciclos de estabilidade e instabilidade, o que importará para que o yuan se torne uma moeda de reserva internacional.
Michael Hirson
Sidnei Nehme também vê o cenário político como um empecilho para que a China aumente a importância de sua moeda.
A China não é confiável, pois não é uma democracia, e o yuan é manipulado.
Sidnei Nehme
Antonio Corrêa de Lacerda afirma que, por enquanto, o governo chinês não tem interesse em internacionalizar rapidamente o yuan, para não perder o controle sobre a moeda, já que o câmbio passaria a ser definido pelo mercado. Mesmo assim, ele diz que pode rivalizar com o dólar no futuro, se a China desejar.
No longo prazo, se desejarem, é claro que eles poderão fazer páreo ao dólar para valer.
Antonio Corrêa de Lacerda
Diversificação está acontecendo
Se por um lado os especialistas não veem o dólar perdendo importância em um futuro próximo, por outro afirmam que já está ocorrendo um processo de diversificação das reservas internacionais.
Acho que gradualmente o yuan vai continuar a crescer no uso internacional e veremos nos próximos dez a quinze anos o dólar, o euro e o yuan emergindo, compartilhando ao longo do tempo o papel de importância como moedas de reserva.
Michael Hirson
Antonio Corrêa de Lacerda aponta como a participação do dólar nas reservas internacionais ainda é muito alta, mas caiu nas últimas décadas, à medida que outras moedas, como o euro, ganharam destaque.
O volume de reserva global era inferior a US$ 1 trilhão há 20 anos. Hoje deve estar próximo de US$ 18 trilhões. Desse US$ 1 trilhão de 20 anos atrás, talvez 80% fossem referenciados em dólar. Se você for pegar hoje, dos US$ 18 trilhões, 60% são referenciados em dólar.
Antonio Corrêa de Lacerda