Economist diz que, com força do agro, Centro-Oeste já se parece com o Texas
Expansão do setor no Centro-Oeste desloca eixo político econômico do país, embalado pelo sertanejo 'bruto'
A ascensão do agronegócio nas últimas duas décadas está deslocando o eixo político-econômico do Brasil em direção ao interior do país, especialmente para o Centro-Oeste, aponta reportagem da The Economist. E a região já é vista como uma versão do Texas — estado americano símbolo do agro — no lado de cá.
A mudança — regada à cerveja gelada e ao som de sertanejo — está refletida nos resultados do novo Censo, mostra a publicação. Sete das dez cidades que mais cresceram no país nos últimos 12 anos estão no cinturão do agronegócio, entre o Centro-Oeste e o Sul.
A parte central do país viu sua população crescer a um ritmo médio de 1,2% ao ano, o que equivale a mais que o dobro da taxa nacional. E mesmo ao olhar os dados do Censo sobre São Paulo — motor econômico do Brasil e da região Sudeste, a economicamente mais importante — a expansão mais acelerada em população também está concentrada em áreas voltadas para a atividade agrícola.
O Brasil cresceu com base em movimentos migratórios, como os que por décadas levaram pessoas de regiões pobres do Nordeste para São Paulo, a exemplo do que fez a própria família do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, esses imigrantes passaram a buscar o interior do país, mostrando que um emprego na indústria deixou de ser símbolo de oportunidade de uma vida melhor, contou Carlos Vian, professor da Esalq/USP, à The Economist.
Não é à toa. O peso da indústria no PIB encolheu de 30% para 10% desde os anos 1980, diante da estagnação ou de uma redução de atividades do setor de forma geral, mostra a publicação.
O entendimento da reportagem é de que a agricultura, que foi a ponta de lança da economia brasileira no século XIX, retomou seu protagonismo. Ainda que o Brasil siga exportando commodities tradicionais como café e açúcar, outros cultivos despontaram. Soja, grãos e criação de gado para abastecer a indústria de proteína animal estão entre eles, impulsionados principalmente pela demanda do mercado chinês, a partir do início dos anos 2000.
O agro já responde por 40% das exportações e por 25% do PIB do país. No Mato Grosso, descrito pela The Economist como coração da soja, a economia avançou 4,7% ao ano entre 2002 e 2020, a taxa mais alta do país.
Onde cresce o Brasil da soja
Outra movimento que o Censo mostra é que o crescimento populacional avançando em cidades de médio porte, a reboque da expansão do agro. Sinop, no Mato Grosso, é citada como exemplo. Em 12 anos, sua população subiu 73%, para 200 mil habitantes. Lá, a agricultura vingou apenas depois que a Embrapa desenvolveu uma variedade de soja adaptada ao solo da região.
A The Economist ouviu um fazendeiro local, JulianoAntoniolli, filho de um dos fundadores da localidade. Hoje, ele tem quatro mil cabeças de gado em sua propriedade e campos de milho espalhados em um terreno de 2.400 hectares, manejados com alta tecnologia em equipamentos, incluindo três estações da Starlink, empresa de Elon Musk, para garantir conexão com a internet.
A produção segue quase toda para uma gigante chinesa de alimentos, a Cofco. Com 12 funcionários fixos — na época da colheita há contratações temporárias — o fazendeiro paga em média R$ 8 mil de salário a cada um.
Com posto de gasolina chamado Texas e açougue Super Beef, a cidade já é chamada de Texas brasileira.
Agro é sertanejo
Mas o agro amplia influência à cultura. O sertanejo já é o ritmo mais popular no Brasil. Entre 2003 e o ano passado, diz a reportagem da The Economist, o número de títulos desse gênero no topo das paradas musicais saltou de 16% para 75%. E já destaca uma espécie de subdivisão, o agronejo, com letras que elogiam o grande agronegócio.
O hit “Ela pirou na Dodge Ram” (picape americana e que é ícone de status entre os barões da soja), de Luan Pereira, soma mais de cem milhões de visualizações no YouTube em seis meses. A revista destaca que muitos cantores sertanejos se definem como “brutos”, para enfatizar que sua voz e estilo nada têm dos playboys das grandes cidades.
O fenômeno do sertanejo, diz a reportagem, representa um desafio para o governo Lula que recebe bem a expansão da economia trazida pelo agronegócio, mas tem de lidar com o desafio ambiental e os efeitos adversos dessa atividade. É que as áreas produtivas avançam tomando o Cerrado e seus grandes proprietários são em geral simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro, de extrema direita.
Segundo a reportagem, aliás, Antoniolli, o fazendeiro de Sinop, estava presente nos atos golpistas de 8 de janeiro, conforme relatado por um site de notícias. Ele afirma, porém, que deixou os protestos após o início do vandalismo.
Mesmo o Congresso, também como reflexo do Censo, abre mais acentos ao cinturão do agro, enquanto os aliados de Lula do Nordeste perdem espaço. O governo tem acenado aos ruralistas. Anunciou R$ 364 bilhões em crédito subsidiado a produtores, o maior plano já anunciado ao setor. Os juros desses empréstimos são mais baixos para produtores que utilizarem energia renovável e pesticidas sem químicos. Também o BNDES volta as atenções ao segmento.
Desafio ambiental
Ainda que alguns fazendeiros reconheçam a importância de tornar a agricultura mais sustentável, inclusive para exportar para os grandes mercados mundiais, outros reclamam de regras ambientais. Há os que se opõem e driblam a legislação florestal do país, que sofre com uma fiscalização escassa das atividades.
A previsão do Departamento de Agricultura dos EUA é que o Brasil tenha mais 20 milhões de hectares de áreas com plantações do agro até 2031, em comparação com os 80 milhões de hectares atuais, de acordo com a reportagem. Isso não precisa significar desmatamento, considerando haver 170 milhões de hectares de pastos subutilizados e que poderia ser uma via para expandir a produção de soja.
A estimativa é que o plantio de soja em apenas dez milhões desses hectares renderia uma produção de 40 milhões de toneladas por ano por uma década, o que equivale a um décimo do total de hoje, segundo Daniel Amaral, da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais. Poderiam vir ganhos ainda em produtividade e logística.
Do contrário, o temor é de que em locais como Sinop estejam sendo plantadas as sementes para a derrocada do sucesso atual. É que a destruição do Cerrado pode afetar o volume de chuvas na região, havendo ainda o efeito das mudanças climáticas.