Bolívia

Em meio à ascensão de novos nomes, Evo Morales busca se redefinir na Bolívia

Luis Arce reconheceu vários erros de seu mais famoso aliado, que perdeu força no último ano, mas continua influente

Durante toda a campanha presidencial que deu a vitória a Luis Arce, a sombra do ex-presidente Evo Morales esteve presente. Tanto apoiadores quanto detratores coincidiam que, sem Morales, Arce não teria chance. O resultado, no entanto, mostrou que o Movimento ao Socialismo (MAS), partido de ambos, é maior que do que o próprio Evismo: um ano depois, Arce foi eleito com ainda mais votos que Morales. Especialistas agora citam, além de Morales e Arce, novos nomes que ganham cada vez mais peso dentro do partido: o vice-presidente David Choquehuanca, também de origem aimará como o ex-presidente, e Andrónico Rodríguez, lider cocaleiro e recém-eleito senador.

Durante a campanha, Arce tentou se desvincular do ex-presidente e reconheceu vários erros do aliado — ele foi ministro da Economia durante a maior parte do governo Morales. O ex-presidente, que não compareceu à posse, por sua vez, voltou ao país recebido por uma multidão, após um ano no exílio, e reassumiu a liderança do MAS. No mês passado, liderou uma reunião do partido para definir a estratégia nas eleições para governador e prefeito de março de 2021. Desde que voltou a país, vem participando de eventos em várias cidades do país, tentando reconquistar suas bases.

— O partido não é mais o mesmo de um ano atrás. Outras forças se tornaram extremamente importantes, ocupando o espaço do Evismo. — afirma Daniel Moreno, sociólogo e pesquisador da Ciudadanía (Comunidade de Estudos Sociais e Ação Pública). — Será preciso ver o quanto leal Arce será a Evo. Ele dá sinais ambíguos em relação ao presidente. Não assistiu a sua chegada ao país, por exemplo. Esse afastamento é positivo, mas não está claro o quão cercano seu governo será de Evo e o quanto Arce estará aberto a ouvir suas sugestões. Dependerá da capacidade política de Arce, que não pode ser um fantoche de Morales mas precisa levar em conta a força que ele ainda tem no partido.

Analistas concordam que a diminuição do peso de Morales internamente é resultado do desgaste iniciado com o referendo de 2016, que disse não à sua tentativa de reeleição mas foi rejeitado pelo então presidente. O erro culminou com a sua renúncia, no ano passado, pressionado pelas Forças Armadas, depois que vários protestos tomaram conta da capital, La Paz, questionando o resultado das eleições.

— Manter-se mesmo assim, através de uma narrativa de reeleição, causou um desgaste político em suas próprias bases — explica Maria Eugenia Rojas Valverde, investigadora e consultora internacional. — Com a saída de Evo, o MAS se reorganizou e hoje há um novo equilíbrio interno. A vitória de Arce beneficia Evo, claro, mas o coloca em uma nova condição.

Com isso, destaca o cientista político Marcelo Arequipa, pela primeira vez na história recente do país, o governo e o partido são administrados por duas pessoas diferentes.

— Morales, e também seus antecessores, concentravam essa dupla função. Agora, cabe a Arce apenas administrar o poder político e é isso que ele está fazendo. Os dois temas mais urgentes do país, a economia e a reconciliação nacional, cabem a ele. No que diz respeito à economia, é claríssimo que Arce saberá manejá-la melhor que Morales. No tema da reconciliação, seu vice terá um papel fundamental — diz ao GLOBO.

A figura do vice, David Choquehuanca, é outra peça essencial no novo tabuleiro político boliviano. Moreno lembra que Choquehuanca foi o grande responsável por reconquistar o voto rural e aimará, que estava distanciado de Morales nos últimos anos. O líder sindical de origem aimará foi chanceler do ex-presidente entre janeiro de 2006 e janeiro de 2017, quando foi substituído por um nome mais tecnocrata dentro da legenda. Desde então, mostrou-se bastante crítico a Morales, particularmente sobre sua tentativa de tentar a reeleição.

— Como presidente do MAS, Evo ainda é a figura que tentará articular posições desencontradas. Mas alguns nomes já estão constituídos, caso de Andrónico Rodríguez, eleito senador, uma liderança em ascensão, e do próprio Choquehuanca. Embora o peso de Morales seja incontestável, ele não é mais a única voz dentro da legenda — acredita Arequipa. — Há uma competição interna que vai mais além de Evo.

Rojas Valverde não descarta um enfrentamento entre os diversos protagonismos, mas afirma que até agora não há um discurso de desafio a Morales. Segundo ela, será preciso esperar os resultados das eleições regionais, em março do ano que vem, avaliar como os equilíbrios políticos se expresserão e se o binômio Arce/Choquehuanca ficará intacto.

— Evo discursou recentemente a suas bases sociais dizendo que espera que o MAS consiga vencer em pelo menos 300 municípios do total de 333, ou seja, em 90%, e nos nove estados. É uma aposta por um poder absoluto e total. Arce por enquanto não contradiz esse tipo de discurso, não se posiciona. Parece que Evo continua dando as ordens. Arce e Choquehuanca estão em evidência, mas Evo ainda é o poder atrás do trono.