Entenda o que levou o preço do petróleo a ficar abaixo de zero
Pandemia deprimiu consumo, inundando mercado americano com excesso da commodity a ponto de não haver onde armazená-la nos EUA
Depois de juros negativos, preços abaixo de zero para a mais importante das commodities entram agora para o folclore das crises globais. A cotação do barril de petróleo do tipo WTI, referência da produção americana, chegou a cair a US$ 40,32 negativos nesta segunda-feira, com a pandemia do coronavírus deprimindo a demanda por energia e provocando uma excesso de oferta ao ponto de não haver mais espaço físico para armazenar petróleo nos EUA. Como consequência, os produtores estão, na prática, pagando para quem estiver disposto a tirar o petróleo de seus tanques.
A compra e a venda de petróleo se dão por meio de diversos contratos negociados no mercado futuro, cada um com um prazo específico para entrega do produto. Apenas um deles entrou no terreno negativo nesta segunda, o que vence em maio. O contrato para junho, por exemplo, embora tenha recuado 16%, ainda vale mais que US$ 20. Mas os dois eram negociados acima de US$ 65 no início do ano, e a enorme diferença de preço entre eles hoje sublinha os efeitos econômicos da pandemia já no curto prazo.
O contrato para o mês que vem é o mais castigado porque ele implicaria na entrega do petróleo em pleno auge do isolamento social nos EUA, com a demanda por derivados em nível muito baixo. Para os contratos que vencem mais para frente, há ainda esperança de que a flexibilização da quarentena proporcione maior consumo de petróleo. Mas só esse descompasso entre oferta e demanda não seria suficiente para explicar o ineditismo de preços negativos. A verdade é que a pandemia fez com que a indústria petroleira americana, que se tornou a maior do mundo nos últimos anos, esbarrasse em seus limites físicos.
Os contratos futuros do WTI se concretizam em petróleo de verdade na cidade de Cushing, Oklahoma, que recebe o produto em seu imenso hub de armazenagem. Com a demanda no chão, a capacidade dos seus tanques está esgotando rapidamente. Há um mês, metade do espaço ainda estava livre; hoje, o percentual é de apenas 31%. Os especialistas preveem que não caberá mais petróleo em Cushing daqui a poucas semanas.
Logo, se o consumo não reagir, o comércio de petróleo nos EUA simplesmente vai parar por falta de tanques. Como essa reação não virá no curtíssimo prazo, quem tem petróleo para vender hoje prefere, na prática, pagar alguém para levá-lo do que não ter onde armazená-lo.
Demanda global cai 30%
Esse problema não ocorre com o barril do tipo Brent, referência internacional. Produzido no Mar do Norte, o Brent permite aos traders movimentar a produção por vias marítimas, enviando a commodity para onde houver maior demanda e capacidade de armazenamento disponível. Sem enfrentar a restrição de estocagem do WTI, o Brent caiu “apenas” 9% nesta segunda-feira, negociado a US$ 25.
De qualquer forma, o coronavírus está provocando uma disrupção global no mercado de petróleo. Estima-se que o consumo da commodity no mundo esteja 30% abaixo da média, maior que a perspectiva de corte da produção.
Na semana passada, em acordo histórico, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), a Rússia e outros produtores concordaram em cortar a oferta em 9,7 milhões de barris por dia. O acordo foi apoiado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, preocupado com os efeitos do derretimento das cotações sobre a indústria americana. Mas o corte só começará em maio e, pior, representa uma diminuição de apenas 10% na produção internacional – um terço do necessário para compensar o tombo da demanda.