Fã de Lula e advogado que chama covid de ‘gripe’ disputam prefeitura de Roma
Cidade é comandada por Virginia Raggi e seus dois antecessores
Daqui a exato um mês, milhões de italianos vão às urnas para eleger os prefeitos de mais de 1,1 mil cidades, incluindo a capital Roma, que oferece alguns dos maiores holofotes do país, mas que ao mesmo tempo pode facilmente enterrar uma carreira política.
Ao longo das últimas décadas, a prefeitura da “cidade eterna” já passou pela esquerda, pela direita e até pelo antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S), que governa atualmente, mas velhos problemas continuam presentes, como a falta de eficiência na gestão do lixo e no sistema de transporte público.
A cidade é comandada hoje por Virginia Raggi, e seus dois antecessores eleitos, Gianni Alemanno e Ignazio Marino, tiveram problemas com a Justiça e nunca mais conseguiram destaque na política.
Nas eleições de 3 e 4 de outubro, a disputa vai girar em torno de quatro candidatos que, de certa forma, refletem a divisão de forças em âmbito nacional. Confira abaixo um perfil desses quatro postulantes, pela ordem em que eles aparecem nas pesquisas para o primeiro turno.
Enrico Michetti
O menos experiente dos quatro principais candidatos a prefeito de Roma é, curiosamente, o líder na maioria das pesquisas.
Advogado de 55 anos, Enrico Michetti foi catapultado à dianteira da corrida eleitoral graças ao apoio da coalizão chamada de “centro-direita” pela imprensa italiana.
Predominante na maior parte do país, essa poderosa aliança é formada pelos partidos de extrema direita Liga, de Matteo Salvini, e Irmãos da Itália (FdI), de Giorgia Meloni, e pelo moderado Força Itália (FI), de Silvio Berlusconi, hoje o menos popular dos três.
Candidatos dessa coalizão têm sido presença constante no segundo turno de eleições municipais na Itália, e com Michetti não deve ser diferente, mas a aliança teve dificuldades para chegar a um acordo. Administrar Roma é um dos trabalhos mais difíceis do país, tanto que alguns nomes, como o ex-chefe da Defesa Civil Guido Bertolaso, queridinho de Salvini, recusaram a candidatura.
A aposta da coalizão acabou indo para alguém de fora da política, um advogado especializado em direito administrativo e professor na Universidade de Cassino. Desconhecido no restante da Itália, Michetti tem certa notoriedade em Roma por causa de suas opiniões na “Radio Radio”, símbolo de um fenômeno típico da capital: as emissoras radiofônicas independentes.
Em meio a programas sobre futebol, o advogado dá opiniões sobre os mais diversos assuntos, mas principalmente sobre política.
Certa vez, chegou a definir a covid-19 como uma “gripe” e criticou a suposta “política do terror” sobre a pandemia.
Além disso, já defendeu a saudação romana, símbolo do fascismo, alegando que esse é apenas um modo que os cidadãos de Roma criaram para se cumprimentar de forma mais higiênica. “Se para alguém remete ao fascismo, problema seu”, disse em determinada ocasião.
Roberto Gualtieri
O segundo colocado nas pesquisas, Roberto Gualtieri, foi deputado do Parlamento Europeu durante uma década e ministro da Economia entre setembro de 2019 e fevereiro de 2021, no governo de Giuseppe Conte (M5S).
Historiador de formação, Gualtieri é membro do Partido Democrático (PD) e venceu as primárias da centro-esquerda para prefeito de Roma com apoio dos principais dirigentes de sua legenda.
Aos 55 anos de idade, o ex-ministro se caracterizou por suas posições contrárias às políticas de austeridade da União Europeia e apenas mais recentemente passou a se dedicar a temas internos da Itália – ele ocupa atualmente um assento na Câmara dos Deputados.
Gualtieri também fala português, é apaixonado por música e bossa nova – é famosa na esquerda italiana uma versão sua de “Bella Ciao” no violão – e admirador do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“A música é minha grande paixão. Comecei a estudar bateria, depois violão. Eram os anos de Falcão na Roma, dos grandes festivais de música brasileira na capital, dos shows de Caetano Veloso”, contou Gualtieri em entrevista recente ao Corriere della Sera.
O candidato a prefeito chegou inclusive a visitar Lula na cadeia em julho de 2018, quando também discursou para apoiadores do petista reunidos em frente à sede da Polícia Federal em Curitiba.
Virginia Raggi
Em busca da reeleição, Virginia Raggi é a primeira mulher a governar Roma em sua história milenar, mas teve um mandato conturbado e marcado por crises políticas que a deixaram à beira da renúncia.
No poder desde junho de 2016, a advogada de 43 anos pertence ao partido antissistema Movimento 5 Estrelas e é criticada pela oposição por não ter conseguido resolver os problemas de transporte público e coleta de lixo na capital italiana.
Além disso, abdicou da candidatura para sediar as Olimpíadas de 2024, que serão realizadas em Paris, apenas três meses depois do início de seu mandato. Raggi também chegou a ser processada por falso testemunho, mas acabou absolvida – em 2017, admitiu ter pensado em renunciar ao cargo por conta da investigação sobre nomeações para seu secretariado.
Embora apareça em um competitivo terceiro lugar nas pesquisas, praticamente todas as sondagens apontam que ela perderia para seus três principais adversários no segundo turno. Além das críticas à sua gestão, Raggi também enfrenta a queda de popularidade do M5S, que vive uma crise de identidade após ter se aliado com a extrema direita e depois com a centro-esquerda em âmbito nacional.
Carlo Calenda
Aos 48 anos e com passagens por empresas como Ferrari e Sky, o europarlamentar Carlo Calenda é filho da cineasta Cristina Comencini e construiu carreira no mundo empresarial, mas entrou para a política no início da década passada, como vice-ministro do Desenvolvimento Econômico no governo de Enrico Letta.
Em março de 2016, foi nomeado pelo então premiê Matteo Renzi, sucessor de Letta, como representante da Itália na União Europeia, decisão que motivou protestos de diplomatas contrários à indicação de uma figura política e empresarial para um cargo equivalente ao de embaixador.
Mas Calenda ficou menos de dois meses em Bruxelas, já que, em maio do mesmo ano, foi chamado para comandar o Ministério do Desenvolvimento Econômico, posto que ele ocupou até 1º junho de 2018.
Nesse período, ganhou holofotes ao se envolver pessoalmente nas crises de símbolos da economia italiana, como a Alitalia.
Autodeclarado “liberal-socialista”, Calenda é defensor da economia de mercado, mas já definiu o sistema de saúde pública como “a maior conquista dos últimos séculos”.
O europarlamentar também é usuário ativo do Twitter e responde cidadãos diretamente em um estilo franco e informal, o que lhe rendeu certa popularidade nas redes. Calenda concorre a prefeito de Roma por um partido progressista fundado por ele mesmo, o Ação, e conta com apoio de Renzi, mas para chegar ao segundo turno precisará roubar votos de Gualtieri na centro-esquerda.