Economia

Fim do auxílio emergencial vai pressionar taxa de desemprego

Taxa de desocupação estava em 12,9% no trimestre encerrado em maio, segundo o IBGE, acima dos 11,6% registrados até fevereiro, antes do início das medidas de distanciamento social adotadas para conter o avanço da covid-19

A Caixa realiza nesta quarta-feira (26) o pagamento de uma nova parcela do auxílio emergencial de R$ 600. Além do saque da 5ª parcela para inscritos no Bolsa Família com NIS terminado em 7, aniversariantes de dezembro recebem via poupança digital a 4ª, a 3ª, a 2ª ou a 1ª parcela, conforme a data em que tiveram o cadastro aprovado.

A perda de ocupação entre os trabalhadores informais em meio à pandemia é mais que o dobro daquela registrada entre empregados formais, aponta estudo do Ibre-FGV, divulgado em primeira-mão à Folha.

Com nível recorde de pessoas fora do mercado de trabalho, devido ao isolamento social e também à garantia de uma renda mínima pelo auxílio emergencial, a volta desses trabalhadores à busca por ocupação deve pressionar a taxa de desemprego nos próximos meses.

A taxa de desocupação estava em 12,9% no trimestre encerrado em maio, segundo o IBGE, acima dos 11,6% registrados até fevereiro, antes do início das medidas de distanciamento social adotadas para conter o avanço da covid-19.

Mas o indicador não reflete a realidade do mercado de trabalho brasileiro em meio à pandemia, já que muitas pessoas perderam suas ocupações, mas não estão procurando um novo emprego e por isso não são consideradas desempregadas.

Levando isso em conta, os pesquisadores Paulo Peruchetti, Tiago Martins e Daniel Duque, do Ibre-FGV, analisam a variação da população ocupada para mensurar os efeitos da crise sobre o emprego. E para avaliar o que está acontecendo mês a mês, utilizam uma metodologia desenvolvida pelo Banco Central que permite mensalizar a Pnad Contínua, pesquisa feita pelo IBGE com base em trimestres móveis.

Segundo o estudo, a população ocupada brasileira somava 83,4 milhões de pessoas em maio, ante 93,5 milhões no mesmo mês de 2019, uma queda de 10,7%, recorde na série histórica iniciada em 2012. Entre os informais, a redução da ocupação foi de 15,1% em maio, comparada a recuo de 6,7% entre os formais.

O número de informais despencou de 44,9 milhões em maio de 2019, para 38,1 milhões em maio desse ano, com 6,8 milhões a menos de trabalhadores informais ocupados. Já os formais diminuíram de 48,7 milhões para 45,4 milhões, uma perda de 3,3 milhões de ocupações.

No levantamento, são considerados informais os trabalhadores sem carteira, domésticos sem carteira, empregadores sem CNPJ, trabalhadores por conta própria e trabalhadores que auxiliam familiares sem remuneração. Ao fim de 2019, enquanto um trabalhador com carteira tinha renda média de R$ 2.226, o sem carteira ganhava R$ 1.462, a doméstica sem carteira recebia R$ 773 e o trabalhador por conta própria, R$ 1.734.

Na crise de 2014 a 2016, a informalidade funcionou como um “colchão” para o mercado de trabalho, absorvendo parte dos trabalhadores que perderam vagas no mercado formal. Em meio ao isolamento social, o emprego informal não consegue cumprir essa função, ao ser o mais afetado pelas medidas de distanciamento.

“O governo tem pouca capacidade de agir sobre o mercado de trabalho informal, esse é um grande problema em termos de política pública”, observa Duque, lembrando que, no mercado formal, as medidas de suspensão de contratos e redução de jornadas e salários ajudaram a preservar empregos. “Outro fator problemático é que muitos desses trabalhadores estão no setor de serviços e comércio, em atividades que para serem viáveis economicamente dependem de aglomeração, o que seria até imprudente manter funcionando.”

No setor de serviços, que concentra 70% de todo o emprego gerado no país e onde a taxa de informalidade chegava a 44% em 2019, a queda da população ocupada atingiu 10,7% em maio, segundo o levantamento do Ibre.

A diarista Liana Guimarães, de 42 anos e moradora de Belo Horizonte, faz parte dessa estatística. “Estou desempregada e toda minha família também, estamos vivendo só com o poder de Deus”, afirma. “Meus filhos trabalhavam em lanchonete e meu esposo na construção civil, estão todos em casa parados. Eu trabalhava de segunda a sábado, fui mandada para casa por todos os patrões sem pagamento. Eles dizem que, com essa pandemia, estão sem condições de pagar.”

Além do setor de serviços, outro segmento que se destacou negativamente na perda de postos de trabalho foi a construção civil. Com uma taxa de informalidade de 73% em 2019, o setor teve uma queda da população ocupada de 15,7% em maio, destaca Peruchetti, pior do que a indústria em geral (-11,9%) e os segmentos de transformação, extrativa e serviços de utilidade pública (-9,8%).

Apesar da construção ter sido enquadrada como atividade essencial, e de grandes obras terem sido mantidas em meio ao isolamento, houve uma desaceleração no início de novas obras e queda na demanda por reformas em residências.

O assistente de pedreiro Paulo Alves, de 33 anos e morador do Jardim Ângela na Zona Sul de São Paulo, sentiu essa diferença. “O último bico que peguei já faz 15 dias, carregando caminhão num depósito. Tem menos obras acontecendo e as pessoas que contratavam para fazer um bico residencial agora estão com receio por causa da pandemia.”

Com a crise do coronavírus, a taxa de participação na força de trabalho atingiu a mínima histórica de 55% em maio, vindo de 61,6% em fevereiro, antes das medidas de isolamento. A força de trabalho é a soma de pessoas em idade de trabalhar ocupadas ou em busca de emprego. Já a população fora da força de trabalho cresceu 21,5% em maio, também um recorde.

“Teremos uma volta dessas pessoas que estão fora do mercado de trabalho. Sem o auxílio emergencial, elas vão ter que buscar renda, então a taxa de desemprego, que não subiu muito no curto prazo, pode subir mais num segundo momento”, afirma Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre-FGV.

Segundo ela, isso explica a pressa do governo em implementar a Renda Brasil, ampliando o Bolsa Família através da incorporação de outros programas sociais já existentes, o que é uma alternativa diante do espaço fiscal limitado.

Para Solange Srour, economista-chefe da gestora ARX Investimentos e colunista da Folha, o mercado de trabalho pode sofrer uma mudança estrutural no pós-pandemia, com o rápido avanço tecnológico provocado pela crise contribuindo para uma redução da demanda por trabalho menos qualificado.

“É provável um desemprego estrutural que permaneça elevado por mais tempo, ainda que nossa vida volte ao normal”, diz Solange. Segundo ela, como os informais são em grande parte trabalhadores pouco qualificados e de menor escolaridade, eles devem enfrentar dificuldade ainda maior de se reinserir no mercado formal.

A economista estima que a taxa de desemprego, hoje próxima dos 13%, pode subir rapidamente para perto dos 20% com a volta dos trabalhadores ao mercado de trabalho após o relaxamento do isolamento e fim do auxílio emergencial.

A situação será ainda mais grave porque essa volta deve acontecer ao mesmo tempo em que terminam os benefícios para manutenção do emprego nas companhias formais. “Vai haver uma oferta maior de trabalho e demanda menor das empresas, que devem diminuir o número de vagas com o fim dos benefícios.”

As repostas do poder público a esse cenário são limitadas, avaliam Solange e os pesquisadores da FGV. Segundo a economista, um modelo de desoneração de folha focado nos menores salários e acompanhando de programas de qualificação de mão de obra pode ser positivo. Mas ele não terá efeito sem o avanço da agenda de reformas para uma retomada efetiva do crescimento.

“Não tem milagre, não há o que o governo possa fazer que faça ter uma recuperação super rápida”, diz Duque. “O que poderia ter sido feito e não foi seria controlar a pandemia. Quanto mais tempo se alonga o período em que muitas pessoas estão sendo contaminadas e morrendo, a incerteza permanece, com as pessoas reduzindo consumo, empresas diminuindo atividade, o que impacta cada vez mais o emprego.”