Gato de energia é usado para minerar bitcoins no interior de Minas Gerais
Desemprego, rapaz conta como ganha dinheiro minerando moedas virtuais
Na casa de Danilo* em Paraisópolis (interior de Minas Gerais), o computador funciona 24 horas sem trégua. Desempregado desde o ano passado, ele descobriu que poderia ganhar dinheiro minerando moedas virtuais, as chamadas criptomoedas. A conta de luz? Ele usa o gato feito pelo vizinho. Numa versão caseira do que fazem os grandes mineradores, que têm pools com milhares de computadores e atuam no Paraguai.
Isso porque a grande dificuldade de operar no Brasil é o impacto que a atividade tem nos gastos com energia elétrica. A mineração é um processo complicado, no qual o computador resolve um código complexo e, em troca, recebe a criptomoeda. A mais famosa delas é o bitcoin. Para se ter uma ideia, cada uma dessas moedinhas chegou a valer US$ 20 mil em dezembro do ano passado. Mas o bitcoin está longe de ser a única. Danilo “caça” Ethereum, a mais minerada dentro do Brasil, que fechou junho valendo US$ 441,28.
Se fosse pagar pela energia que consome, com a tarifa de R$ 0,42 por kWh em São Paulo, Danilo gastaria cerca de R$ 300 por mês só para rodar o computador que ele comprou na Santa Ifigênia, rua conhecida na cidade pela venda de produtos eletrônicos. A máquina custou R$ 9 mil, tem uma placa-mãe e quatro placas de vídeo. A fonte usada por Danilo tem potência de 1.000 watts e minera 24 horas por dia. Em um mês, o consumo atinge 720 kWh.
“O Brasil, infelizmente, não é economicamente viável para mineração de nenhuma criptomoeda”, diz Lauriney Santos, CEO da Bitminex.
O dinheiro da mineração, porém, não é o suficiente. Afinal, não é fácil minerar criptomoedas de maneira amadora e competir com os gigantes pools espalhados pelo mundo, principalmente em países como China, Canadá e Paraguai, onde a energia é mais barata. Para completar a renda, Danilo também se tornou motorista de Uber.
Embora sejam pessoas difíceis de localizar, há mineradores usando gatos em favelas de São Paulo e do Rio, segundo especialistas no mercado. Marco Carnut, CEO da CoinWISE, empresa de soluções em blockchain e pagamentos com criptomoedas, conta que conhece histórias de pessoas minerando em favelas brasileiras e até na Venezuela, onde a energia é subsidiada pelo governo e a conta de luz acaba ficando mais barata. O problema é que isso representa um risco para a própria comunidade, pois os aparelhos esquentam muito por rodar 24 horas, e podem causar incêndio.
Aliás, o Brasil é um dos países com a conta de luz mais cara do mundo. “Para você fazer certinho, legalmente, você perde em competitividade para outros países onde a energia é mais barata”, explica Carnut.
A Eletropaulo, que cuida da energia na capital paulista, afirmou desconhecer a atividade de mineração em comunidades de São Paulo e que, por isso, não consegue avaliar o impacto no consumo. Resposta semelhante foi dada pela assessoria da Light, no Rio, que acrescentou que na cidade a conta já é mais cara porque precisa cobrir os gastos com o desvio de energia elétrica.
Made in Paraguai
Outra alternativa encontrada por brasileiros que querem minerar em grande escala e lucrar com o negócio é mover os equipamentos para o Paraguai. Os mineradores baixam um programa em seus computadores e se juntam à rede de criptomoedas para garantir que o código esteja certo até a última casa decimal. Logo, para ter mais chances de acertar a equação, os mineradores montam pools, em que milhares de máquinas processam a equação.
O empresário Rocelo Lopes descobriu o bitcoin em março de 2013 quando comandava uma empresa de telecomunicações na África do Sul e um de seus clientes lhe ofereceu pagamento em bitcoins. “Quando entendi do que se tratava, vi que era uma excelente oportunidade de negócio, o futuro do mercado financeiro”, conta.
Lopes voltou da África em 2014 e começou a minerar no Paraguai. O empresário conta que o custo com energia elétrica para colocar uma máquina operando no país vizinho é de aproximadamente US$ 1 mil, contra US$ 5 mil por máquina no Brasil.
Atualmente, Lopes tem em pool 8 mil máquinas e quer abrir outro no qual pretende colocar 25 mil máquinas para operar. “Para fazer algo industrial e profissional em bitcoin você precisa de uma estrutura muito grande, até porque a máquina aquece demais”, diz, citando que é necessária também uma infraestrutura de resfriamento dos equipamentos em rede e segurança. “Não é um negócio simples de fazer.”
Não existe mineradora oficial de bitcoin no Brasil, segundo Lauriney Santos, CEO da Bitminex. O ex-executivo da Avon Cosméticos descobriu o bitcoin em uma viagem aos Estados Unidos, em 2016. Depois de estudar e conhecer a estrutura de Rocelo em Ciudad del Este, ele criou a empresa especializada em administrar equipamentos. “O Brasil, infelizmente, não é economicamente viável para mineração de nenhuma criptomoeda”, afirma, citando, além do custo de energia, o peso da tributação na conta.
Santos acredita que a mineração passa por uma crise mundial. Segundo o empresário, o custo ideal de energia elétrica deve ser em torno de US$ 0,06 a US$ 0,07 por kilowatt hora (kWh) para tornar o negócio rentável. No Paraguai, a energia está custando cerca de US$ 0,10 kWh e no Brasil esse valor chega a US$ 0,36, de acordo com seus cálculos. Outros dois fatores jogam contra os mineradores: o primeiro é que a dificuldade do código vem aumentando; e a segunda é o valor do bitcoin, bastante volátil e atualmente em queda (por volta de US$ 6,5 mil).
Ainda assim há quem acredite que as criptomoedas são um bom investimento e apostam que o bitcoin vai se valorizar novamente. Essa é a opinião de Carnut, da CoinWISE. Para ele, o bitcoin será a moeda do futuro. “A ideia é que você não carregue mais moeda nem cédulas na sua carteira e que só carregue o celular com sua wallet de criptomoedas”, diz.
*O nome do personagem foi trocado para preservar a fonte